sábado, 7 de dezembro de 2013

curiosidades do mundo antigo: numa pompílio


Com tanta literatura moderna e contemporânea à mão nas prateleiras das melhores livrarias, eu mergulhando na leitura dos clássicos de sebos.

Como diz um amigo: perda de tempo. O mundo de hoje não tem nada a ver com essas velharias mortas e enterradas há mais de 2 mil anos.

(Note-se: o amigo incongruente que me critica é estudioso das tragédias gregas, deleita-se em ouvir Sófocles e Eurípides em grego arcaico e faz suas abluções secretas a Dionisos).

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Concordo com o amigo. A Problemática Humana (com maiúsculas mesmo) é infinitamente mais complexa e variada do que na época de Plutarco.

Mas dane-se. Trata-se de História. Eu gosto. Mesmo sendo taxado de anacrônico e alienado. Mesmo gastando um tempo enorme em decifrar inversões e elipses, na linguagem caduca de alguns trechos. Mesmo perdendo o bonde expresso da contemporaneidade.

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A Vida dos homens ilustres, em 15 volumes, foi adquirida por uma pechincha. Encadernação em capa dura azul marinho com apliques em dourado, ilustrações como as acima, folhas quebradiças, lombadas empoeiradas e costuras roídas pelas traças.

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A ideia inicial era uma postagem para cada uma das celebridades. Escrevi 3 textos: sobre Teseu, Rômulo e Licurgo. Abandonei o projeto por constatar que em parte o amigo acima tinha razão. Há pouco a dizer sobre eles no nosso mundo-vórtex de informação.

Mas, como exercício para romper o bloqueio criativo, prosseguirei. Vale como uma aulinha. Como se estivéssemos Leitor(a) e eu em uma sala de curso pré-vestibular.

Chega de justificativas.

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Hoje falaremos sobre o chato do Numa Pompílio. Conforme qualquer enciclopédia física ou virtual, Numa governou Roma entre 754 e 671 a.C. Sucedeu a Rômulo, o fundador e primeiro governante romano (Rememore ou saiba mais clicando aqui).

Numa foi responsável por uma grande reforma político-religiosa. Pelo que entendi, elementos dessa reforma serviram de esteio para o cristianismo primitivo surgido alguns séculos depois.

Nasceu no dia da fundação de Roma, em 21 de abril. Era tão perfeitamente disposto a toda virtude que não precisou de mestres para governar. Além disso, sendo naturalmente inclinado e dedicado a toda virtude, poliu-se ainda mais pelo estudo das boas disciplinas (quais seriam elas?) e pelo estudo da paciência e da filosofia.

Após a morte da esposa Tácia, com quem viveu por 13 anos, Numa isolou-se dos homens. Mudou-se para o campo e passou a frequentar as florestas e bosques consagrados aos deuses, nas terras dos sabinos. Lá (Plutarco afirma com uma certa ironia) conheceu a ninfa e deusa Egéria, que o recebeu como marido e o proveu de insights sobre o amor e o conhecimento das coisas celestes.

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O prudente Plutarco estende-se no tema para isentar-se ou justificar o descrédito. Lista fatos e evidências que poderiam reger o relacionamento entre humanos e divindades na época.


Exemplos:
1. As divindades preferem os homens aos pássaros ou os cavalos;
2. As divindades sentem prazer inenarrável em um papo cabeça com humanos. Desde que estes sejam perfeitamente bons ou os santos e religiosos;
3. Quanto ao relacionamento carnal propriamente dito, é bem difícil acreditar que as divindades sintam tesão nos humanos;
4. É plausível que uma divindade masculina se aproxime de uma mortal e a emprenhe. Mas um homem coabitar com uma divindade feminina e ter comistão corporal com ela é impossível (ele não explica a razão).

(Segundo o velho Caldas Aulete:
Comistão,  s.f. (ant.) mistura // F. lat. Commixtio.)

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Depois de arrazoar sobre a literalidade das relações deuses/deusas/homens /mulheres, Plutarco afirma que era tudo metáfora: as divindades trazem amizade aos homens puros e virtuosos; dessa amizade nasce o amor intelectual; por isso a dúbia denominação de amantes.

Ok, Plutarco, você me convenceu. Mas poderia ter parado aí. Para qual era a tua intenção em voltar à literalidade, enumerando os pouco espiritualizados e às vezes apimentados casos gays de deuses greco-romanos - Apolo e seus garotos Forbante, Jacinto, Admeto e Hipólito; Pã e seu boy-poeta Píndaro; Sófocles e Esculápio; et-cétera?

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A falsa prudência era firula estilística. No capítulo IX, Plutarco explica que os capítulos anteriores sobre sexualidade eram uma espécie de parêntesis. Uma pausa de efeito. A fim de criar impacto para a revelação bombástica humana demasiado humana:

Na verdade Numa era uma raposa velha. Aproveitou-se politicamente do diz-que-diz sobre seu envolvimento com a ninfa-desusa para obter vantagens políticas que propiciaram as reformas político-religiosas e o conduziram às páginas amareladas de Plutarco.

Veremos o assunto na próxima postagem.

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