domingo, 29 de setembro de 2013

o pedreiro e a chuva

A casa estava com infiltrações. Para consertar, me indicaram um pedreiro. Competente, rápido e de confiança. Com pressa por causa da temporada de chuva próxima eu aceitei o preço sem questionar.

Apesar de alguns estresses ele cumpriu o prazo estipulado. Não com tanto critério e qualidade como o propalado, mas aparentemente a contento. Arrancou o piso antigo, impermeabilizou com manta asfáltica, fez contrapiso, colocou novo piso, garantiu o serviço por 1 ano, recebeu e foi-se embora.

Na primeira chuva o problema voltou.

...

O pedreiro veio na semana passada para dar garantia ao serviço malfeito. Descobriu (ou reinventou) outro problema, por suposto nada a ver com o que ele tinha entregue (e cobrado os olhos da cara). Garantiu (pela enésima vez) rapidez e eficácia. Dessa vez a infiltração estaria definitivamente debelada.

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Para orçar o novo serviço ele teria que quebrar a parede. Para quebrar a parede ele tiraria a porta-janela. E me deixar ao relento.

...

Na quarta-feira ele tirou a porta-janela. Colocou no vão uma lona plástica colada com fita crepe. Afirmou com toda convicção que aguentaria até o dia seguinte, quando começaria o quebra-quebra.

Não aguentou. Na mesma tarde o vento jogou longe o plástico. Ele veio, refez a proteção improvisada. E lançou a bomba na maior cara-de-pau: somente poderia iniciar o serviço na segunda-feira (estava terminando outra obra). Mas que não choveria até lá. Se chovesse, a gambiarra aguentaria.

Eu me sentindo otário exponencial. Era mais que óbvio que estava sendo enrolado. O trabalho do pedreiro excepcional era medíocre, irresponsável e demasiado porco.

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Hoje à tarde veio a chuva. Felizmente, apesar de persistente, não muito forte. O suficiente para arrancar de novo a lona-plástica.

Evacuei o local às pressas. Tirei a aparelhagem de som, os CDs, uns livros. Ainda arranjei o plástico de forma que se a chuva não engrossar demais, não inunde o resto da casa.

...

Depois, a vontade era ligar para o pedreiro, mandar recolocar a porta imediatamente, assumir o prejuízo e demiti-lo por telefone mesmo.

Mas seria um pitaco inócuo. Ele não viria mais, eu teria que arcar com os gastos da recolocação da porta-janela e do futuro conserto das calhas. Sem condições.

Dizer diplomaticamente poucas e boas ao profissional irresponsável (se ele vier mesmo amanhã) e negociar para que ele volte no próximo ano, quando a chuva acabar.

Ou começar tudo do zero. Alguém conhece um pedreiro?

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

diário repetitivo

Finalmente (às 22:53) a sexta-feira chegou para ficar. Saiba as razões da demora a seguir:

1.
Lembram-se do post sobre a crise convulsiva da cadela? Que eu pensava serem-lhe aqueles os derradeiros dias de vida? (se não se lembram, releiam aqui). Pois a situação inverteu-se. É como se aquilo nunca tivesse acontecido. Pandora, aos 12 anos, retomou a integral e irrestrita disposição da juventude.

Mais uma vez a lição reaprendida com ela: viver vale a pena. Sempre. A qualquer instante. A todo custo.

2.
As infiltrações apareceram logo na primeira chuva após terminada a reforma da casa nova. Deixei passar. Até o limite do suportável. Ou seja, 2 anos de goteiras, manchas de mofo no teto do quarto e cascas de pintura caindo na cabeça dos convidados.

Então pedi indicação de mão-de-obra confiável.

Veio o Kleyton. Alardeando o tempo todo a própria honestidade e a qualidade do serviço. Oferecendo garantia irrestrita. Prometendo mundos e fundos.

Kleyton quebrou, descascou, impermeabilizou, sujou, substituiu. Me fez gastar em material pelo menos 2 vezes o dinheiro que eu não tinha. Faltou, atrasou, me enrolou e me infernizou a vida por 30 dias. Como de praxe, 2 dias após a entrega do serviço (e consequente pagamento), choveu a primeira chuva da primavera no cerrado - e com ela a mesmíssima infiltração.

Kleyton detectou novos problemas. Na quarta-feira arrancou as portas e as janelas do local afetado. Na quinta-feira, após os meus pedidos desesperados, mandou o ajudante cobrir os vãos com lona plástica. Pois que estava a terminar outra obra e viria me socorrer assim que pudesse.

A lona plástica foi mal colocada. O vento arrancou-a na madrugada. Liguei ao Kleyton hoje cedo. Receando a chuva prometida para o final de semana. Ele veio ao final do dia. Prometendo solução definitiva até, no máximo, a segunda-feira próxima. Mas o plástico - ouço o farfalhar ao vento agora, na madrugada - descolou (talvez irremediavelmente) de novo.

Que os deuses e as iabás velhas segurem a chuva prometida pelo menos até segunda-feira cedo.


3.
Ainda tem a praga dos besouros. Como no Egito bíblico. É impossível acender a luz sem o ataque da horda desses coleópteros (do tamanho de uma mosca) cuja razão de existir resume-se a uma noite esvoaçando em torno de qualquer foco de luz, seguido de uma manhã de estertor com as perninhas pra cima, uma vassoura e uma pá de lixo que os varram à primeira claridade do alvorecer e um sepultamento coletivo (milhares de semelhantes ainda vivos e esperneantes) na lixeira da cozinha.

Mais as baratas voadoras que me perseguem desde a ancestralidade remota.

4.
Há também o cenário. E a burocracia infinda e kafkiana do projeto cultural. Preencho recibos, guias, cheques, formulários. Visito o teatro, converso com o técnico, pechincho, negocio, compro material, devolvo, peço notas fiscais, penso e repenso, abandono, retomo soluções. Como no diário-gerúndio de ontem:eu não vejo a hora de acabar.

5.
Os meses de julho e agosto próximos-passados (adoro essa expressão) foram punks. Jet-leg, gripe, inércia e depressão prolongadas (vide a escassa produção no blog).

A cura deu-se à base da milagrosa homeopatia do Dr. Basílio, do floral anti-pânico-social e da atividade física beirando à neurastenia. Cujas consequências são um possível cancro de pele em decorrência do excesso de sol, o latejar constante da musculatura das costas, o ombro prestes a travar de vez e o desgaste da articulação do fêmur.

6.
Adquiri uma panificadora doméstica. Daquelas que é só despejar os ingredientes e acordar na manhã seguinte com um super-pão quentinho e perfumado esperando para ser devorado.

Fazer o próprio pão é uma experiência ancestral. Sagrada.

Experimento. Invento. Subverto as regras das receitas. Pão da aveia, pão integral, pão de gergelim, pão caseiro, pão rápido, pão demorado, pão que cresce, pão que sola, pão de goiaba, pão com besouro para ser jogado fora. Ad infinitum.

Por isso eu me esmero nas atividades físicas descritas no item anterior para compensar os possíveis excessos.

7.
Para completar, o convite para participar da antologia.

Confesso: sem tempo, pique ou disposição para produzir textos novos e consistentes. Dignos dos demais autores. Apesar de toda a compreensão e condescendência do organizador do projeto.  Propus o caminho aparentemente fácil: resgatar textos do blog.

Levei adiante. Acha que é fácil escolher 25 entre quase 1.200 postagens ao longo dos 3 últimos anos?

(Resultado da primeira repescagem: 159).

8.
Ia me esquecendo do projeto Saia-da-solidão-e-tire-o-atraso-em-2-cliques-e-uma-carinha.sorridente-no-skype (para bom entendedor, meia-palavra basta). Projeto este adiado indefinidamente. Por falta de quorum.

9.
Por tudo isso dei um tempo. Comprei um espumante agora há pouco. Bebido até a última gota no exato instante em que te escrevo.

Sei que falta fazer uma infinidade de coisas. Ligar para a amiga operada. Para a que iria operar. Para a amiga cujo pai está doente. Para o provável e quase impossível namorado. Para a futura nora. Para a diretora da peça. Para seduzir o protagonista da peça. Para organizar o almoço de aniversário dos 90 anos da mãe. Para adiar a aula de alemão da próxima terça-feira. Para marcar a vistoria no Detran. Renovar o seguro. Procurar receitas na internet. Preparar o material da montagem. Agradecer à veterinária. Pedir nova receita ao homeopata. Marcar a acupunturista.O massagista. O dentista. O acompanhante.

10.
Na repescagem dos textos para a antologia encontrei um que se encaixa perfeitamente no momento atual (são 0h07min). O título é "Libações". Para quem não leu ou quiser reler, clique aqui.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

diário gerúndio real

secretariando. agendando reuniões. cancelando compromissos. imprimindo guias. preenchendo formulários. redigindo relatórios. separando. recuperando. guardando & retirando papelada das pastas. copiando. rasgando. grampeando. prendendo com clipes. esperando que acabe.

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vendendo o carro. monitorando à distância. aguardando a vez. pagando tarifas. vistoriando. autenticando firmas. transferindo. despachando. sendo educado mas cobrando posicionamentos.

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trabalhando. criando. pensando em hipóteses, possibilidades & resultado. criticando. emitindo opiniões. ouvindo críticas & fofocas & comentários nem sempre edificantes. esquivando de comprometimentos ideológicos. torcendo para que tudo dê certo. 

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relendo. escolhendo. repescando. elaborando. editando. planejando. contando com a boa vontade & a paciência alheia.

...

sendo simpático. sendo otimista. varrendo besouros. ouvindo sem querer a conversa dos vizinhos. fazendo pães. estudando inglês. comendo na rua. tomando chá de boldo. nadando dia sim dia não. exercitando. dormindo tarde & acordando cedo. dormindo mal. cuidando da vida. procurando príncipes. desencantando. lendo meia-dúzia de linhas. pensando em escrever. desistindo por falta de tempo. assistindo seriados antigos. caindo em sono profundo.


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

poemas portugueses - casimiro de brito

Caverna. Praia do Benagil. Portugal. De: http://jp-lugaresfantasticos.blogspot.com.br

Ao cimo da Fóia

Lá muito ao longe os olhos decifram
o perfil dos rios a gramática
ora suntuosa ora
seca
das praias
enquanto na memória se concentram
páginas de areia armas
sem gume símbolos da noite

Branca desesperada


...


Templo submerso
(Benagil)

O mar descobre em seu tempo
de aridez

Templo onde brilha a lenta
madrugada do mundo pedras desprendidas de
formadas
pelos elementos em isita
vigilante

Pedras ou pássaros gravados na sombra barcos
de rosto humano

Essa é a outra face da ferida
talhada no centro da terra no centro
do sol pelo fulgor das marés pela ternura
de armas marítimas

O mar o alimenta com seus frutos
de plena infinitude

O tempo a paciência


...


Os três castelos
(Praia da Rocha)

O perfil sereno o metal desprendido esculpido
nestas rochas a desolada confiança
no tempo no vínculo da morte
em movimento

A ternura generosa do
silêncio

Depuram

O nosso orgulho desmedido os nossos passos
de cinza as nossas guerras
em círculo

Dentro do pó


...


(Casimiro de Brito, de Mesa do Amor, 1977)

(Fóia é o nome do ponto mais alto do Algarve, na serra de Monchique, em Portugal. É acessível por estrada a partir de Monchique. Tem 902 m de altitude e uma proeminência topográfica de 739 m. Nos dias claros é possível ver o oceano Atlântico. Fonte: Google maps).

terça-feira, 24 de setembro de 2013

pergunta da caixinha: qual a melhor idade, e por quê?

A infância ficou envolta pela névoa translúcida da memória. Contaminada pelo sonho, retocada pelas cores psicodélicas da fantasia e da ficção e das lembranças de veracidade duvidosa. A adolescência foi só sofrimento, rejeição, desajuste, inadequação. A primeira etapa da idade adulta (dos 20 aos 30) foi uma árdua passagem da adolescência. Acrescentada de paixões, ideias, ideais utópicos. Depois dos 30 anos veio uma espécie de inquietação ainda tênue. Lado a lado com a psicanálise, as realizações, os amores e desilusões grandiosos. Veio também a pressa em adquirir, ter, produzir, mostrar, transmitir perpetuar. Aos 40 a inquietação dos 30 germinou em uma promissora consciência do ridículo de existir. Sim, o amadurecimento, como um parto a fórceps.

Perder para sempre a pureza, a inocência, a impetuosidade, a beleza, o frescor, a vitalidade, etc da juventude com a passagem para os 50 anos provocou uma crise intensa. (Em alguns casos a crise é irrevogável). Caiu a ficha da consciência da finitude.

Porém, superada a crise, a pessoa floresce. Sem arroubos, ímpetos, com menos contradições. Mudam gradualmente o olhar, a perspectiva, o horizonte. O que era esmaecido revigora-se. A essência sobrepuja-se à aparência. Mais silêncio do que forma. Arrebatamentos pequenos, médios ou grandes vêm e vão, como vão e vêm, de vez em quando, uns lampejos lúcidos de loucura. E aos 60, 70, 80? Há que se chegar lúcido e razoavelmente saudável aos 90? Só queria que daqui por diante o passar pelos dias fosse cada vez mais suave e doce e intenso e cheio de novidades.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

recorte de poema de roberto piva

...

o mundo continua sendo um breve colapso logo que as
       pálpebras baixem
& meu amor por ti uma profanação consciente de eternas
       estrelas de rapina

(de: o jardim das delícias)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

diário gerúndio especular

repetindo padrões comportamentais. burlando o jogo. aguardando a lenta transformação dos sapos em príncipes. derramando as esperanças enxurrada abaixo. catalogando autoenganos. constrangendo. entrando em quase-pânico.

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esbanjando prodigalidade. dilapidando o patrimônio. dando uma de otário.

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telefonando para os mortos. invocando os mortos pelas redes sociais. resgatando os mortos da enxurrada de sangue fervente &/ou dos cães raivosos. arrancando galhinhos secos dos mortos-árvore. sabendo que os mortos não retornarão jamais.

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discorrendo a língua sobre as partes menos íntimas. lambendo dindim & chupando sacolé. subindo degrau a degrau a escada dos prazeres carnais. boicotando a luxúria. gozando horrores.


lendo dante & um clássico latino. buscando inspiração em glauco mattoso. chupando roberto piva até os ossos. corporificando. transubstanciando.

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publicando antes de virar o novo dia.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

piano


Dona Cilene era professora de piano. Clara, óculos grossos, cabelo liso e farto preso em um coque. Esposa do pastor Otávio.

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Os livros de exercício eram grandes (do tamanho A4) e eram chamados métodos. Havia também as peças musicais com 2 ou 3 páginas impressas em tinta azul-escuro. Mais os cadernos pautados encapados, os gatinhos, cães, pássaros e flores que decalcávamos no topo de cada exercício do método ou ao lado dos títulos das peças. Tudo, inclusive os lápis-de-cor e a pasta de elástico Dona Cilene encomendava de São Paulo.

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Depois das aulas eu estudava horas seguidas em um piano de brinquedo que pertencia à Fabiane, a filha da vizinha Dona Marli.

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Aprender piano era uma tarefa árdua. Dona Cilene ensinava também notação musical, solfejo e história da música.

Cada nota tinha uma cor, cada linha da pauta era da cor da nota correspondente. O dó era vermelho; o ré, verde; o mi-amarelo; fá, roxo; sol, laranja; lá, azul-claro; si, marrom.

Breves e semibreves (as notas vazadas) eram preenchidas. Mínimas, semínimas, colcheias, semicolcheias, fusas e semifusas (as notas pretas com hastes) recebiam, cada uma, na parte inferior, um ponto na cor devida. Grande parte do horário da aula era gasto em colorir as notas e as pautas musicais.

Solfejo era outra dificuldade. Especificamente para mim, canhoto e desprovido de coordenação motora. Enquanto cantávamos no tom da nota, marcávamos os ritmos - binário (1-2), terciário (1-2-3) e quaternário (1-2-3-4) - com movimentos da mão/braço direitos cruzando o ar nas 4 direções.

História da música era a parte mais chata. Bach, Berlioz, Brahms, Chopin eram nomes impronunciáveis de seres além da nossa compreensão. Percebendo isso, Dona Cilene falava deles por alto. Para nosso deleite, a certa altura da aula ela desistia do bla-bla-blá. Sentava-se ao piano e exemplificava, tocando trechos das obras de um ou outro.

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Toquei pela primeira vez em público a peça musical Minha jangada de vela/que o vento pode levar/de dia vento de terra/de noite vento de mar. Só isso mesmo. Foi em um culto especial da igreja do Pastor Otávio. Usei o terno xadrês marrom e uma gravata-borboleta, roupa usada no casamento da Tia Madalena.

Eu, ainda católico (aos 9 anos!), estava terrificado com o pecado de participar do culto da igreja concorrente. E morto de sono. Aquilo era aborrecidíssimo. Tão diferente da missa. Aleluias! e exclamações extáticas vindas da plateia interrompiam o tempo todo a interminável pregação do pastor Otávio.

A apresentação era depois do culto. Nem é preciso dizer que eu errei duas vezes. Travei. Quis desistir. Mas o olhar fuzilante de Dona Cilene por trás da cortina do templo me obrigou a continuar. Terminei debulhado em lágrimas.

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A segunda e última apresentação foi na televisão. No programa do Titio Darlan, na TV Brasília. Titio Darlan comandava um programa infantil, ao vivo. Fomos nós, os melhores alunos da escola da Dona Cilene, do Gama. Eu tocaria a dificílima A vendedora de flores. Tinha ensaiado dia e noite (no pianinho da Fabiane ou em um teclado de papel, em tamanho natural, que acompanhava um dos métodos).

Quando chegou a minha vez, mal comecei os acordes, Titio Darlan interrompeu o programa para os comerciais.

Foi a primeira pá de cal jogada sobre as minhas pretensões artístico-musicais.

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A última pá foi logo depois. Com a transferência do Pastor Otávio (que também era missionário) para outra cidade. Foram-se Dona Cilene, os 2 pianos e as cançonetas marteladas nas tardes de canícula. Nunca mais aulas de piano. Nunca mais solfejar, desenhar claves de sol, colorir métodos. Nunca mais os exercícios dos deveres-de-casa.

Para alívio de Dona Marli, ouvidos finalmente libertados dos meus estudos no pianinho estridente da Fabiane.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

3 imagens da internet

(de: http://tomasorban.tumblr.com)

(de: http://obscure---mind.tumblr.com)
(de: http://crimsonsharkbit.tumblr.com)

itaúnas

foto obtida em: http://paixaocapixaba.com.br

Itaúnas é um povoado, originalmente de pescadores, no norte do Espírito Santo, quase divisa com a Bahia. Pertence ao município de Conceição da Barra. A vila antiga erguia-se entre as dunas e o rio. Foi coberta pela areia nos anos 1960/70. Construíram outra, mais afastada do mar, na outra margem do rio, próxima aos manguezais.

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Era uma epopeia chegar a Itaúnas. 2 dias dentro de ônibus interestaduais (Brasília/BH/Vitória) ou trem (BH/Vitória) e mais a metade de outro dia no pinga-pinga (Vitória/Conceição da Barra ou São Mateus). Dependendo dos atrasos, arriscava-se ainda passar uma noite na rodoviária de Conceição, até pegar carona ou a primeira jardineira às 6:30 da manhã.

A estrada entre Conceição e a vila era de areia e terra batida. Atravessava uns 30 quilômetros de eucaliptais que se estendiam por todo o Espírito Santo até o sul da Bahia. Tudo propriedade da Aracruz e/ou poderosas multinacionais produtoras de celulose.

Quando chovia a estrada era intransponível. Naquela época os carros 4x4 eram raros. Por isso, ficava-se isolado. O único a fazer era esperar a estiada. Podia demorar dias.

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Mas valia a pena. O lugar era paradisíaco. A água do rio era escura e transparente, da cor de caramelo. As margens e o fundo eram de areia. Atravessava-se o rio por uma ponte estreita de madeira ou a nado. Depois, mais ou menos menos 1 km de caminhada pelas dunas (brancas ou às vezes amareladas) até chegar à praia de areia grossa, escura, que se estendia por 18 (ou 12?) quilômetros, ondas fortes. Na volta, ao final da tarde, o banho de água doce na lagoa entre as dunas e o rio.

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A praia era local de desova de tartarugas. Ao caminhar pelas dunas podia-se encontrar cacos de cerâmica, ossos, fragmentos de roupas, botões - provavelmente da vila soterrada ou de civilizações precolombianas.

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Além de nós, mochileiros riporongas, com o passar dos anos vieram hordas de turistas convencionais, chamados pelos nativos de paulistas. 

Junto com eles a degradação acelerada do ecossistema e dos sítios arqueológicos, a poluição (da última vez que estive lá a lagoa estava imprópria para banho devido à concentração elevada de coliformes fecais), a especulação imobiliária, a proliferação de pousadas, campings e casas chiques, as diferenças sociais,  e a exclusão gradativa (alcoolismo e crack) dos nativos economicamente inviáveis, enfim, a violência.

Além de um forró universitário misturado com dance e axé music ensurdecedores que varava as noites de quinta-feira a domingo.

Os inevitáveis bens e males do progresso.

(Tive notícias que o forró virou tradição e as coisas melhoraram depois da criação do Parque Estadual e de associações de moradores).

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Certa vez fomos ver a lua cheia nascer nas dunas. Na volta sentimos o chão tremer. O tremor aumentava, e com ele o barulho crescente de um tropel. Mal tivemos tempo de nos proteger entre as moitas da restinga. Era um estouro de boiada. No meio da areia, saído do nada. Surreal, fantasmagórico, assustador. A boiada desapareceu da mesma forma: no nada.

No dia seguinte nenhum vestígio - rastros, bosta, galhos quebrados. Quando comentávamos, os nativos misteriosamente disfarçavam e mudavam de assunto. Nunca descobrimos se fora real ou alucinação coletiva.

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De outra vez estive lá (ainda nos anos 1980), no período dos festejos natalinos. Presenciei (e participei de) uma das mais lindas manifestações culturais brasileiras  - o ticumbi, no dia-de-reis.

Começou bem cedo. Na igreja, pequena, caiada, plantada em um descampado no centro da vila, que servia de praça. Não havia padre. A missa era celebrada pelos membros mais antigos da comunidade. O sol raiava e a luz entrava pelas janelas abertas, misturando-se com a luz das velas.

As mulheres cobriam as cabeças com lenços desbotados, uma ou outra com mantilha. Os homens estavam descalços, camisas com mangas arregaçadas, olhos baixos, compenetrados. Homens e mulheres cantavam forte, com fé, hinos religiosos muito antigos, esquecidos.

Depois saíram em procissão, levando um menino Jesus esculpido em madeira, tosco, depositado com toda delicadeza em uma manjedoura acolchoada com tiras de papel crepom verde e amarelo. A procissão levava o menino Jesus de casa em casa, na rua principal. Onde se rezava o terço, tomava-se água, um gole de cachaça, às vezes um copo de cerveja, e cantava-se.

Lá pelas 10 horas os tambores e a cantoria do ticumbi irromperam no fim da vila. Os homens vinham vestidos com roupas coloridas de chita, chapéus com fitas. As mulheres vestiam de branco, turbantes ou lenços nos cabelos e/ou saias coloridas. Cantavam e dançavam, menos sacras, mais dionisíacas. Uma delas levava o estandarte bordado não me lembro mais com qual santo. E o batuque contagiante, ensurdecedor, catártico, dionisíaco.

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Pirei geral. O ritmo me pegava pela alma. Era a ancestralidade do escravo, o caboclo de penas, das pedreiras e das matas, o bacante, os bisavôs mulatos, o exu-legbara, os mártires cristãos, tudo junto. Diluídos nos borbotões de lágrimas e soluços descontrolados. Catarse pura brotada das vísceras.

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Estive em Itaúnas pela última vez lá há uns 15 anos. Já maduro e careta. Mais para paulista que para riporonga. Em viagem familiar: a mãe, eu e o filho. Foi outra, a última talvez, experiência fundamental lá. Depois eu me esqueci. (Como se a areia tivesse soterrado as lembranças).

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Itaúnas foi o que São Tomé das Letras, Penedo, Macchu-Picchu, Canoa Quebrada, Jericoacoara, Ilha do Mel, Arembepe, etc foram para a geração anterior à minha. Lugares iniciáticos, sagrados, locais onde ocorriam ritos de passagem, fundamentais. Uma espécie de limiar. Portal de mudanças, transformações, crescimento.

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Enquanto escrevo cai uma chuva fora de época. Com intensidade, trovões e relâmpagos. Semelhantes aos das chuvas dos verões em Itaúnas. A luz acaba. Acendemos velas no lugar das lamparinas daquele tempo. Uma boiada silenciosa estoura nas dunas, à luz embaçada da lembranças.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

dois poemas portugueses

O amor

Estou a amar-te como o frio
corta os lábios.

A arrancar a raiz
ao mais diminuto dos teus rios.

A inundar-te de facas,
de saliva esperma vidros.

Estou a rodear de agulhas
a tua boca mais vulnerável.

A marcar sobre os teus flancos
o itinerário da espuma.

Assim é o amor: mortal e navegável.

(Eugénio de Andrade, Antologia Breve, 1972)


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Soneto

Sebento abrigo, em fumo de manejo
até à sombra quente afeiçoada
ao brilho lento e vasto em que te vejo,
até a tarde atrás da madrugada,

até à noite porta sobre um tejo
distante na memória, onde encrespada
uma palavra morre e vive um beijo
que a boca não sabia ensinada

foi por calados ventos e desejo
- em fumo, em fome súbita e molhada
te sigo, te revisto e te protejo,

até o fim dos olhos ou da estrada,
amor possível, tacto, nó de ensejo,
destemida ternura resguardada.

(Pedro Tamen, Os Quarenta e Dois Sonetos, 1973)

domingo, 15 de setembro de 2013

nasci para bailar

Bonecos de Olinda. Foto: Teresa Maia. (Obtida em: http://basilio.fundaj.gov.br)

Duda da Boneca (foto obtida em: http://informativomipibu.blogspot.com.br)
Apesar das incontáveis aulas de balé clássico com Regina Maura e Yara de Cunto, de dança contemporânea na Ensaio, oficinas com Graciela Figueiroa ou as aulas de clássico, moderno ou contemporâneo filadas em diversos grupos e escolas de dança locais, apesar do diploma em artes cênicas - dos tempos que já se perderam na bruma da memória - por mais que eu tenha me esforçado meu corpo simplesmente não sabe dançar.

Seja em festinha na casa de amigos, seja na balada, seja no pagode, no ensaio da escola de samba, no forró de Campina Grande, na gira de caboclo, no frevo do Galo da Madrugada ou em casa, sozinho - meu repertório limita-se a meia-dúzia de passos duros, partindo do ombro - rigorosamente os mesmos para qualquer ocasião.

Falta coordenação motora. Falta ritmo, molejo, requebro, soltura. Falta tudo. Sabe aqueles bonecos gigantes do carnaval de Olinda? Dançam mil vezes melhor que eu.

Mesmo assim (com o perdão do trocadilho) eu não perco o rebolado. Sempre que posso eu estou lá, com meu desengonço. Se puder, até o dia raiar.

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Nos tempos de balada meu bailado era meio místico, meio orgiástico, meio biodança, meio hospital psiquiátrico. Eu fechava os olhos e me deixava levar pela música, movimentos catárticos, mistura de butoh e dança-de-são-guido. Como se não houvesse (ou tivesse?) mais ninguém na pista. Quando tocava música com aqueles harpejos indianos, aí sim, o bicho pegava!

Não me preocupava  o que os outros pensassem. Não tinha expectativa quanto a pegar ou não alguém. Só importava a performance interiorizada. Vantagem: por mais lotada que estivesse a casa, sempre abria-se em torno de mim um espaço circular - as pessoas evitando levarem um safanão, esbarrão ou bofetada provocada pela movimentação desconjuntada dos meus membros superiores.

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Outro dia foi em uma festa. Tinha lá um sujeito pé-de-valsa. Mistura de Carlinhos de Jesus com Antônio Nóbrega. O cabra era tão bom mas tão bom que a fama dele na Paraíba era a de levantar cadáver, só no sapatinho.

O cabra resolveu que era questão de honra me ensinar a dançar forró.

Tinha toda uma técnica. Inclusive com preliminares. Entre uma cerveja e outra eu deveria tomar um copito de cachaça. Mas com método, para não embebedar. Segundo ele, servia para amolecer as juntas. Depois (sob o efeito da pinga e da cerveja) eu fechasse os olhos e deixasse o ronco da sanfona me entrar pelos bofes, o tinir do triângulo na corrente sanguínea, a batida da zabumba chegar no coração. Que eu entregasse a alma ao diabo pois o corpo eu tinha que entregar pra ele.

Beleza, eu entreguei sem ressalvas. Invoquei Terpsicore pra garantir. Meio tonto, nem senti quando o cabra me agarrou pela cintura e me arrastou para o meio do salão. Sussurrando no meu cangote: é só contar 1 e 2 e 1 e 2 e 1 e 2.

Alguém se lembra de ter visto, na infância, na feira, aqueles caras que prendiam uma boneca de pano na cintura e dançavam horrores, criando a ilusão de que a boneca era viva? Pois eu estava me sentindo a própria nega maluca. Só que feita de pau e cimento ao invés de feltro recheado com algodão.

Eu, aplicadíssimo. A primeira, a segunda, a terceira música. Trocando os pés, errando na conta, tropeçando nos próprios pés ou nos do parceiro, pagando mico geral. Na quarta, o cabra arretou-se: caraca, velho, eu desisto. Você nasceu com duas pernas canhotas! E me largou sozinho no salão. A fama do cabra nunca mais foi a mesma...

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Mas mesmo assim eu insisto. Dançar é bom pra caramba! De qualquer jeito. No ritmo ou fora dele, com molejo ou sem, requebrado ou varapau - não importa - vale a intenção. Dançar libera as couraças, a energia ruim acumulada, ativa a kundalini, o erotismo, traz felicidade. Dançar prolonga a vida e suaviza a existência.

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Por falar nisso, sexta-feira eu fui pro samba. Só não sambei até o dia raiar (com os 6 passinhos partindo do ombro) porque minha carona quis ir embora antes das 3 da manhã. Mas isso é assunto para outra postagem.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

jaca

Matriarca trazendo uma jaca-mole pequena (foto do Gabriel)

Segundo a internet, a jaca (para quem não conhece, o fruto da jaqueira) é o maior fruto cultivado do mundo, podendo pesar até 60 quilos e 90 cm de diâmetro. É originária da África (outros dizem Sudeste Asiático) e foi trazida pelos portugueses no período da colonização. A jaca é rica em carboidratos, cálcio, ferro, fósforo, iodo, vitaminas A, B e C e etc.

A casca da jaca é dura e áspera, formada por pequenas saliências pontiagudas, na cor verde-amarelada. O interior é formado por uma polpa viscosa e fibrosa, amarela, onde aninham-se os bagos e as sementes.

No Brasil são conhecidos pelo menos 3 tipos de jaca: a jaca-dura, a jaca-mole e e a jaca-manteiga.

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Apesar do tamanho gigantesco, somente 30 a 40% dela é aproveitado. Os bagos (a polpa) podem ser saboreados in-natura, frescos. Deles fazem-se também suco, geleia, compota e uma espécie misteriosa de aguardente. Depois de cozidas e descascadas, o sabor das sementes lembra o das castanhas portuguesas. Podem ser servidas como tira-gosto ou por exemplo, esfareladas sobre uma salada verde e tomates-cereja, regada com azeite e ervas.

Outro dia descobri também (receita do médico homeopata) que o talo interno (branco e mole, de onde prendem-se os bagos) - pode ser temperado e levado ao forno como se fosse carne assada, tipo lagarto recheado.

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Há uma técnica para abrir a jaca sem ficar dias com as mãos grudando, por causa da resina que ela expele no caule, na casca e nas fibras onde se aninham os bagos e as sementes. A técnica é passar óleo de cozinha na faca e estripar a bicha sem tocá-la. Ou então usar luvas de borracha.

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Considero abrir uma jaca uma experiência sensorial única. Erótica mesmo. Acredito que todo mundo deveria abrir uma jaca pelo menos uma vez na vida. Motivo?

Porque a jaca é muito orgânica. Visceral. A viscosidade e a umidade faz a jaca parecer um ser ser vivo. A forma externa e o conjunto interior formado pelas fibras, talo, bagos e sementes lembram as entranhas de um ser extraterrestre.

Abrir uma jaca e retirar os bagos remete à sensação de fazer um parto. Uma cirurgia. Ou uma autópsia.

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Eu prefiro fazer o serviço com as próprias mãos. Sem o auxílio de faca, óleo ou luva.

Primeiro, forço até romper a membrana da casca. É incrível a sensação da aspereza cedendo. E o aroma doce que exala da ferida aberta no fruto-barriga. Depois enfio a mão na carne, por entre as fibras, para localizar os bagos. Com uma leve pressão, retiro cada semente, redonda e pegajosa. Como a cabecinha de um recém-nascido. Até restar só os tufos de fibras aderidos aos pedaços de casca, cujo destino é o lixo.

Separo os bagos em porções pequenas. Lavo bem os caroços, cozinho-os, descasco-lhes e também os congelo. Para comer um ou outro fora da temporada das jacas.

(Hoje eu guardei o talo interno para experimentar a receita do doutor no almoço de amanhã).

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Nas religiões afro-brasileiras a jaqueira é uma das árvores de Loko ou Iroko, a divindade-árvore. Em alguns terreiros os filhos não podem comer jaca ou mesmo aproximar-se dela. Em outros, a quizila (restrição) é só para os filhos de Oxum.

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Além da fascinação pela forma, aroma e textura, e antes de saber da presença dela no candomblé (conforme parágrafo acima) eu sempre achei a jaca um fruto sagrado. A jaqueira não necessita de muitos cuidados. Cresce rápido, desde que o solo possua um mínimo de umidade. A árvore adulta é exuberante. Frutifica generosamente. Os frutos nutritivos são capazes de alimentar de forma variada uma família inteira (seja indiana, coreana, tailandesa, vietnamita, africana, nordestina) nos períodos de escassez.

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Plagiando uma amiga: façamos uma campanha pela disseminação da jaca. Levemos a jaca para a Ana Maria Braga e para a Regina Cazé na Rede Globo e para todos os lares brasileiros. Exportemos jaca fresca, jaca em conserva, sementes de jaca enlatadas, suco de caixinha de jaca, jaca sem agrotóxicos. Fabriquemos roupas, calçados, telhas, peças para automóveis, submarinos e aviões com fibras de jaca. Votemos na jaca, libertemo-nos pela jaca, oremos pela jaca, ó jaca-mole, jaca-manteiga, jaca-dura, livrai-nos do Malamém (*), só a jaca poderá nos salvar.

(*) frase de um mamulengo assistido no domingo

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

pandora



Pandora é uma cadela labrador. Adora passear, tanto à pé quanto de carro. É dócil, simpática e sociável, faz amizade com todo mundo. É gentil, obediente, educada, feliz - se fosse gente - gente-boa. Aos 12 anos já superou uma infecção mortal, uma quase cegueira, convive com uma doença provocada por parasitas, com a dispasia nas 4 patas e osteofitose (bico de papagaio) na lombar, que dificulta terrivelmente sua mobilidade.

Mesmo assim, mantém 24 horas o astral lá em cima. 24 horas pronta para a farra.

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Tenho notado os efeitos da idade nela. Mais lenta e comedida, menos impetuosa, mais cansada, movimentando-se menos, às vezes fazendo as necessidades fora do lugar, dormindo demais - dentre outros sintomas.

Primeiro foram as caminhadas. Mesmo com as dores na coluna e articulações ela adorava andar longas distâncias. Porém, nos últimos meses nosso trajeto encurta-se dia a dia. De 3 quadras para apenas o final da rua. Até que na semana passada ela empacou. Recusou-se a passar do portão.

Depois apareceu uma espécie de transgressão obstinada. Logo ela, que sempre foi educadíssima nesse sentido - passava batido por qualquer iguaria largada na calçada, no gramado ou na beira da água - fossem restos de comida, peixes ou pássaros em decomposição, lama ou outros dejetos duvidosos. De repente surgiu o hábito novo: eu não podia descuidar da coleira que ela deliciava-se com a porcaria.

Por último foi a água. Ela sempre amou nadar. Se pudesse ela passava o dia inteiro buscando gravetos ou bolinhas de tênis atiradas no fundo. Sábado passado, um dia lindo, eu a levei à beira do lago. Estranhei a falta de empolgação dela. Só para me agradar ela molhou os pés, deitou-se uns instantes, sacudiu-se e foi se secar no gramado. Olhando firme, como que pedindo para ir embora.

Quando os weimaranes dos vizinhos aproximaram ela levantou-se irritada e saiu andando, sem me esperar, no rumo de casa.

Nós os humanos rimos inconsequentes: senilidade, caduquice, essas coisas.

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De uns 3 dias para cá a coisa piorou. Nos poucos momentos em que permanecia acordada ela não desgrudava de mim. Choramingava. Respirava forte, ofegante. Gania sem motivo visível, aparentemente atacada por alguma dor insuportável.

Liguei para a acupunturista. Dei aspirina, dipirona, floral, essência de flor de laranjeira. Acendi incenso e defumador, conversei com espíritos ancestrais, mentalizei boas energias. Até reiki eu arrisquei para aliviar o desespero dela.

Funcionou. Até hoje de madrugada.

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Eram 4 da manhã. Acordei com a respiração ofegante dela. Que acelerava-se. Até tornar-se um chiado. Depois ronco. Ela estava com um lado do corpo todo molhado de saliva. Gania. Agitava as patas para levantar-se. As traseiras paralisadas. O corpo não obedecia o comando.

Entrei em pânico. Socorrê-la (como?) - ou procurar na internet alguma clínica veterinária com plantão 24 horas. Carreguei-a para o jardim. Ela firmou-se. Mas andava pelo gramado desvairada, em círculos, passando por cima das plantas, tropeçando na mangueira, em galhos secos, topando nas árvores e nos cactos espinhentos.

Quando eu a conduzia para perto da casa ela encostava-se e seguia a caminhada obstinada rente às paredes, batendo-se nos vasos, pilastras como se aqueles obstáculos não existissem.

Toda essa cena acontecia em ritmo acelerado, muita energia desprendida, ela cega, alucinada.

Pensei que ela ia morrer.

Carreguei-a até o carro e segui para o plantão veterinário, do outro lado da cidade.

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Ela ainda gania acomodada no porta-malas, mas com menos frequência. Parei o carro em um descampado no meio do caminho. Ela desceu. Farejou o ambiente, as moitas de capim, o orvalho. Andou, dessa vez com direção. Pensei: ao invés de cruzar a cidade até o veterinário, por que não levá-la para um lugarzinho que ela gosta, mais ou menos próximo, à beira do lago?

O dia amanhecia e estava lindo. Ela não entrou na água. Ficou por ali andando, respirando o ar frio, reconhecendo o espaço, o mundo, recompondo-se internamente. Permanecemos lá por volta de uma hora. Quando eu a coloquei no carro de novo ela estava mais calma. Quase serena.

Em casa comeu dose dupla da ração e dormiu o resto da manhã.

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Só à tarde ela foi examinada pela veterinária que a acompanha há alguns anos. Diagnóstico: convulsão. Pode ocorrer em alguns cães com a idade dela. Ou por intoxicação. Ou ainda por causa da doença parasitária. Ou tudo junto.

Tomará remédio tarja-preta o resto da vida. Ganhará peso. Ficará lenta, sonolenta, apática, desenergizada. Perderá talvez o gosto pelas caminhadas, pela água, pelas pessoas, pelos brinquedos dela, por mim.

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É triste demais. Mas é preciso resignar-me. Não me deixar abater. Ter disposição e dedicação para tornar a vida dela nem que seja um reflexo do que foi durante os últimos 12 anos. Manter (é piegas e apelativo, eu sei) viva a chama de vitalidade dela. E preservar a alegria de viver que ela sempre se esmerou em me ensinar.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

diário gerúndio para não perder o ritmo

rodopiando com o capeta no redemoinho. atravessando a mata escura & encontrando a loba e a pantera. esquecendo de levar na matula a cachaça do curupira e o fumo do saci-pererê. cavalgando a mula-sem-cabeça-que-solta-fogo-pelas-ventas. veredando. protelando a descida ao nono círculo.

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decorando a tabuada do 7 com o visconde-de-sabugosa. ouvindo as histórias da vovó benta com atenção redobrada. comendo bolinhos de chuva. bordando os olhos de retrós da boneca mais esperta do mundo. dançando a dança-de-são-guido com a tia anastácia. comendo o rabo do marquês-de-rabicó na feijoada do wenceslau pietro petra.

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revisitando  monteiro lobato pelo menos quarenta e tantos anos depois da primeira infância. relendo o grande-sertão-veredas pela milésima vez desde a adolescência. ouvindo david bowie & macalé para todo o sempre. oh minha honey baby eu estou tão cansado mas não pra dizer que eu estou indo embora. acelerando os batimentos cardíacos & entrando no tom do blues & remixando a batucada.

sábado, 7 de setembro de 2013

diário doente

Pediu um rádio. Não aguentava ouvir os gemidos dos doentes, os barulhos dos aparelhos, o zumbido da máquina da hemodiálise, as conversinhas atravessadas das enfermeiras na UTI.

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Sugeriu ao padre do domingo instalarem autofalantes com música clássica. Para a elevação do espírito e a salvação da alma que sobrevivesse aos tormentos daquele purgatório.

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Coitadinho, desenganado. Chamassem os familiares. Urrou a noite inteira que o tirassem daquele inferno. Arrancou os tubos, fez um estrago, não deixou a enfermeira dormir. Amanheceu resignado. As mãos amarradas na grade da cama. No relatório o plantonista omitiu a dose tripla de sossega-leão misturada ao soro direto na veia.

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Reclamou com as visitas: que matavam-no, aos poucos, de fome e de sede. Na cabeceira da cama o coquetel diurético, a vitamina, o iogurte diet e a garrafa de água pela metade.

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Pediu que o enterrassem com o terno cinza, da formatura. E que cancelassem a galinhada do almoço de aniversário, encomendada um dia antes da internação.

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Reivindica morte digna. Com água que não seja pela sonda, banho que não seja de gato e o pessoal do teatro para aplaudir o grand finale.

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Pensamento positivo: sair da UTI a tempo de assistir em casa ao final da novela.

diário gerúndio da saída do claustro

ouvindo tomzé & cozinhando manivas da roça do mano manaape. polvilhando o acepipe com sal rosa & gergelim negro do deserto de kalahari. degustando arnaldo batista & paulo moura & rock`nroll & samba de raiz. cê tá pensando que eu sou loki, bicho? sou malandro velho não tenho nada com isso. 

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ouvindo histórias escalafobéticas pra lá de roseanas. encarnando o guia espiritual por necessidade. tomando floral de resgate. manobrando a fobia social. murchando os excessos abdominais. fazendo a linha. atirando no escuro. matando cachorro a grito. acertando cajadadas nem que seja no preá assustadiço.

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ouvindo david bowie & prestando atenção na letra. aparando as unhas da gata. aguando a grama e as comigo-ninguém-pode. consertando as tiras da sandália franciscana. tirando o pó do passado irresolvido. falando um pouquinho mal da vida alheia porque na sexta-feira ninguém é de ferro.

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ouvindo elza soares & cauby peixoto. levando altos papos com o caboclinho das matas. raspando os pêlos do sovaco. reinvestindo no affair com o loiro. desejando o ruivo. sendo menosprezado pelo moreno. açoitado de afagos os flancos do negro. sonhando acordado com o brother interétnico.

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ouvindo o silêncio da madrugada. preparando a receita de miojo com bacon no mircroondas. tingindo o topete e as sobrancelhas. invocando augusto dos anjos & roberto piva  & glauco mattoso & os principais heterônimos de fernando pessoa. ainda escapulindo pela tangente.


sexta-feira, 6 de setembro de 2013

luxúria

Suspendeu-se ontem o interdito. Tomei ímpetos e arrulhos, prometi mundos e fundos, invoquei forças telúricas, aticei a kundalini, desembainhei a lança, encetei em vão a espada na carne da luxúria. Mas mesmo assim hesitei em atravessar os portões do segundo círculo do inferno.

bela adormecida

A princesinha picou-se no fuso envenenado da roca que se encontrava na sala mais isolada do castelo. Desceu escadarias em espiral de três em três degraus. O roçar da seda das saias da princesinha nas paredes de pedra da escadaria deslocou o ar parado e desencadeou uma ventania de coincidências.

A princesinha esbarrou logo em mim e me pediu socorro. Mesmo tendo tanto o que fazer eu sosseguei-lhe o desespero. Eu me fiz todo dela e a conduzi ao salvamento.

Enquanto aguardávamos na antessala da fada-madrinha nós conversávamos. Sobre os amores irreais e irrealizados dela e meus.

Mal eu nomeei, à toa, um que há tempos me tirava do sério, aproximou-se, vindo do fundo do corredor e materializou-se à nossa frente - tão surpreso quanto nós - o antagônico, o complemento, o amante dele.

Uma gargalhada tripla ecoou uníssona pelos paredões do purgatório.

Em 7 segundos a fada-madrinha curou a picada da princesinha. Tirou de mim e devolveu ao amante aquele que me atazanava a alma.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

balança mas não cai - final

(Na primeira parte foram apresentados os personagens e introduzida a cena, ocorrida em um edifício em bairro nobre de uma cidade litorânea. Na segunda parte descreveu-se uma festa na cobertura desse edifício. A seguir a narrativa desenrola-se até o desfecho. Leia as partes iniciais clicando nos links em vermelho acima).

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Era o fogo cruzado. Tentarei descrever de forma menos chata possível.


Primeiro foram as cantadas da condessa de Z para com a minha pessoa. (Na verdade a condessa de Z nem queria nada concreto. Era mais para impressionar a dona da casa). Eu fazia questão de negar e recusar categoricamente, em alto e bom tom (querida, eu adooooro você, mas só como amiga).

Frustrada, a condessa passou a atacar Marilu. com piadas cáusticas sobre a falta de grana, o saudosismo das pompas, a ousadia exagerada no decote e nos ajustes da roupa, dúvidas sobre o comparecimento nas obrigações conjugais de Otavinho - enfim - sobre a decadência da elite da cidade de R.


Marilu perdeu as estribeiras. Com o dedo encostado no nariz da condessa de Z, intimou-a a mudar de conversa. Estava exausta e não aturava mais aquela horda de bêbados, desde o começo da tarde até àquela hora da noite. Além disso, que a condessa de Z  pagasse os 50 reais devidos desde tempos remotos ou se retirasse dali imediatamente.

Inconsolada por ninguém tomar-lhe as dores e injustiçada pela cobrança pública da dívida, a condessa de Z telefonou para a condessinha. Mal passados 15 minutos chega a condessinha para defender a mãe. Veio acompanhada de um grupo de funkeiros e uma caixa de isopor repleta de cervejas geladérrimas.

A outra frente de combate era comandada por Carmencita. O alvo éramos o amante Claudinho e eu, a celebridade do momento.

O ódio de Carmencita embananou-lhe a razão. Explodiu de ciúmes. Sem se preocupar se o barraco revelava a todos (principalmente a Benzinho) seus amores extraconjugais com Claudinho.  Metralhou o bofe de impropérios - que ela nunca tinha imaginado aquilo (impressionante ela não saber que Claudinho era gay); que ele devia dar-se ao respeito, fazer aquelas safadezas (segurar a minha mão?) na frente de gente da laia dele, que ela não era qualquer uma, para ser desfrutada, chupada como uma laranja, até o bagaço e depois jogada fora - etc.

Os olhos do marido-síndico Benzinho arregalavam-se à medida em que compreendia a fala da esposa. Ah, Carmencita... É efeito do álcool... seu fígado é fraquinho, bastam 2 copos pra você perder a noção (Carmencita tinha bebido pelo menos 2 dúzias de copos).

Paulo César era o único com o juízo no lugar. Finérrimo, contemporizava. Mudava de assunto. Pena que de modo cada vez mais desastrado. Por exemplo: achava um absurdo todas aquelas obras de arte importantíssimas para a história da arte brasileira escondidas do grande público, dependuradas nas paredes da cobertura.  Ou: que poderia colaborar com Otavinho em trechos árduos da tradução de Hannah Arendt. Ou ainda: Que concordava com a taxa extra astronômica, pois somente assim o condomínio poderia fazer as reformas do salão de jogos.

Piorou quando (equivocado e desnecessário) entrou no tema: o amor que não ousa dizer seu nome. Que concordava com os direitos iguais de pessoas do mesmo sexo, mas casamento na igreja e no papel era demais. Que ele mesmo, nos bons tempos (olhando para Claudinho e eu), gostava de escandalizar a sociedade, mas agora o certo era esse tipo de coisas ficar entre quatro paredes, no recôndito do lar.

Era demais. Ao invés de seguir Claudinho com a desculpa de ver uma Tarsila na sala, eu soltei os bichos para cima de Paulo César. Aquele discurso era incongruente. Ainda mais saído da boca de um intelectual de esquerda. Ele era preconceituoso, burguês elitista decadente. Na verdade ele estava roendo-se de ciúmes. Que o refrão feito em parceria com Chico Buarque era sofrível e que a música era uma das piores do repertório dele. Etc.

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Quando tudo parecia caminhar para o caos, os amigos da condessinha ligaram Mc Daleste na maior altura: Mais amor, menos recalque / Sai do pé morre pra lá.

Foi a salvação. A música (deixemos de lado as considerações estéticas e sociológicas) era contagiante.

A primeira a entrar na roda foi Marilu. Sabia os passos mais complicados, até aquele de descer rebolando até quase encostar a bundinha no chão. Aos 70 anos!

Claudinho me puxou. Mesmo sem o mínimo jeito eu me deixei levar. Em seguida Benzinho conseguiu arrastar Carmencita para a pista improvisada na varanda.

A condessa de Z, amuada e com o orgulho ferido, sentada sozinha, depois de colocar e tirar a bolsa e o casaco para ir embora umas 3 vezes, cedeu aos encantos do ritmo do morro. Ela, Carmencita e Marilu disputavam com as funkeiras amigas da condessinha requebros e remelexos mais provocantes.

Só Otavinho não se deixou arrebatar. Roncava alto, alheio ao barulho, certamente misturando nos sonhos de Rivotril o gosto duvidoso das letras do funk e os trechos dificílimos e intraduzíveis da filósofa alemã.

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E a balada rolou na cobertura mais chique da cidade de R até o dia raiar.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

diário sobrenatural

No marasmo que se instalava dia adentro bastou um telefonema recebido para desenrolar-se o enredo. Com direito à introdução inusitada, sobressalto no desenvolvimento e sincronicidade no desfecho. Aquilo beirava ao absurdo, mistério banal, ficção desengonçada, quase-sonho. Ou sacudidela na existência?

domingo, 1 de setembro de 2013

balança mas não cai - parte 2

Resumo da parte 1, postada em 05 de agosto (leia aqui):

Eu estava hospedado em casa da condessa de Z, em um edifício chamado Balança mas não cai - em bairro classe-média-alta-decadente, em uma linda cidade litorânea. Fomos convidados para um happy hour na cobertura babilônica do edifício. A cobertura pertencia a Marilu Venegas, filha de um famoso pintor modernista já falecido e casada com um autor e tradutor. Havíamos bebido muitas cervejas durante a tarde no apartamento da condessa de Z e já chegamos bastante calibrados na festinha.

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Mas não havia mais festa. Ou, melhor, já tinha acontecido. Ou, melhor ainda, tinha sido um brunch  iniciado às 13 horas.

Mesmo assim Marilu, depois de um suspiro e de um olhar desesperado para o bando de bêbados à porta, convidou-nos a entrar. Pura cortesia.

Marilu era lourérrima. Plásticas visíveis no rosto e pescoço e muito botox aplicado nas rugas dos seus prováveis setenta anos. Vestia um macacão de piloto de fórmula 1 em couro vermelho muito justo e decotadíssimo.

Apresentou-nos Otavinho, o marido. Que, segundo ela, traduzia um texto inédito de Hannah Arendt.

Enorme de gordo era o Otavinho. Ocupava todos os 4 lugares do sofá da sala. Mergulhado na penumbra. Iluminado apenas pela luz da tevê ligada no Faustão. Deitado estava, deitado Otavinho ficou. Sem nos olhar, emitiu uma espécie de grunhido como cumprimento generalizado.

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Enquanto Marilu foi até a cozinha para buscar cerveja, a condessa de Z, fofoqueira que era, desmentiu a história da tradução. Otavinho vivia em estado semi-letárgico. Mal articulava uns gemidos além daqueles grunhidos. Passava dia e noite deitado no sofá rabiscando ziguezagues em resmas e resmas de papel A4. Tudo isso provocado pelas doses cavalares de remédios controlados ministrados a bel prazer de Marilu. 

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Sentamo-nos à varanda. Onde já estavam o quadrângulo amoroso formado por Claudinho (o bofe gostosão), Carmencita (a esposa do síndico e amante de Claudinho), Benzinho (o síndico) e Paulo César (a tia velha intelectual podre de rica e amante-patrocinadora de Claudinho).

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Claudinho ofereceu-se para me mostrar os jardins suspensos da cobertura. Mal saímos do campo de visão das pessoas na varanda - não entrarei em detalhes. Retornarmos meia hora depois - levemente despenteados, amarrotados, riso bobo na cara, sob uma chuva de zombarias e o olhar fuzilante de Carmencita.

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Eu era uma espécie de celebridade no Balança mas não cai: tinha lançado um livro na mesma livraria onde Clarice Lispector costumava autografar. E conseguido uma minúscula resenha (10 linhas distribuídas em 5 cm2) no caderno 2 do Jornal do Brasil da segunda-feira. Por isso, a Condessa de Z enchia minha bola mais que o merecido, diante de gente tão ilustre como Marilu e de Paulo César que, além de podre de rico, compusera o refrão de uma música com Chico Buarque.

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Marilu conduzia a conversa. Falava sobre os velhos tempos: quando o pai era vivo; quando era recebida pelo prefeito, cortejada pelo governador, deputados e senadores, até por um vice-presidente americano; quando foi aplaudida de pé no Municipal (não me lembro mais o motivo); etc, etc.

A condessa de Z, a essa altura sob os efeitos de altíssimo grau etílico, todo o tempo atravessava a conversa. Primeiro tentou me promover à sua mais recente conquista amorosa.

Ao perceber que ninguém deu bola (vide a cena anterior, da visita guiada aos jardins suspensos de Babilônia), ela passou a agredir Marilu: tanta pompa antigamente e hoje (pobre Marilu) alimentando-se às custas de salgadinhos de vernissagens e cafezinhos das salas-de-espera dos gabinetes de vereadores. Assim por diante

Enquanto isso, Claudinho segurava minha mão e me fazia cafuné independentemente do olhar furibundo de Carmencita. Que estava a ponto de explodir com a nossa pouca-vergonha.

Para piorar a situação eu, também semi-alcoolizado, falei mal do ChicoBuarque. Critiquei sem piedade logo a música feita em parceria com Paulo César (a tia velha intelectual podre de rica).

 Ou seja: o clima social em ebulição e o pandemônio instalado.

(continua)

canção de temporadas antigas: bijouterias

Em setembro
Se Vênus me ajudar
Virá alguém
Eu sou de Virgem
E só de imaginar
Me dá vertigem
Minha pedra é ametista
Minha cor, o amarelo
Mas sou sincero
Necessito ir
Urgente ao dentista
Tenho alma de artista
E tremores nas mãos
Ao meu bem mostrarei
No coração
Um sopro e uma ilusão
Eu sei
Na idade em que estou
Aparecem os tiques
As manias
Transparentes
Transparentes
Feito bijuterias
Pelas vitrines
Da Slopper da alma

(João Bosco / Aldir Blanc)