segunda-feira, 5 de agosto de 2013

balança mas não cai - parte 1

Nos primórdios televisivos (lá pelos anos 60) havia um programa humorístico semanal chamado Balança mas não cai. Tratava-se de um edifício residencial onde os comediantes mais exóticos contracenavam, cada cena ou quadro correspondendo aos moradores dos apartamentos. A velha fórmula de teatro-chanchada, cujos personagens, alguns, sobreviveram até pouco tempo, nos decadentes Escolinhas do professor Raimundo, Praça da Alegria, Sai de baixo, e tantos outros.

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A história de hoje é longa. Por isso será contada em várias partes. Tem a ver com o Balança mas não cai e com o texto do outro dia, sobre hospedar, hospedagem, etc. Para não ser obrigado a usar aquele velho chavão - qualquer semelhança com fatos e acontecimentos reais é mera coincidência - que seria só meia verdade, serei chique como Flaubert: aconteceu em 19...,  na cidade de R... na rua de M... com a condessa de Z... assim por diante.

Pois bem. Aconteceu em 19.... Eu estava hospedado no apartamento 10... de em um prédio residencial elegante, em um bairro classe média alta, na cidade de R. A hospedeira era a condessa de Z e sua única filha, a condessinha de M.

A condessa de Z é uma figura exótica e engraçadíssima, Voz meio rouca, fala gingada, puxada nos esses chiados e nos jeitos e trejeitos do falar das transformistas. Apesar de mais tímida, a condessinha de M herdara a simpatia da mãe. Além de mim havia outra hóspede, a marquesa de C.

Em pleno verão, na maior farra, enchendo a cara de manhã à noite, comendo os deliciosos pratos preparados pela condessa de Z e morrendo de rir das histórias que ela contava.

O apartamento da condessa era frequentado por quase todos os moradores do prédio, a qualquer hora do dia ou da noite. A seguir, os principais:

1. Carmencita, espanhola de nome, carioca de coração, maranhense de nascença. Balzaqueana, corpo em cima, loira tinturada. Esposa do síndico e amante de Claudinho.

2. Zé Maria, conhecido por Benzinho, síndico do prédio, inocente esposo de Carmencita.

3. Claudinho, trinta-e-tantos anos, bonitão, bronzeado de praia, corpo sarado, apesar da barriguinha de cerveja. Pernambucano, funcionário público, amante de Carmencita e de Paulo César, uma tia velha intelectual chiquérrima e podre de rica, moradora do apartamento 20...

4. Paulo César, a tia velha intelectual chiquérrima, e nem mais tão podre de rica assim, amante de Claudinho e dona de pelo menos meia dúzia de apartamentos no prédio.

5. Marilu Venegas, moradora da cobertura, tradicionalérrima, filha de um pintor modernista, herdeira do acervo desse pintor, esposa de Otavinho.

6. Otavinho, tradutor, desempregado, vivendo de rendas, esposo de Marilu Venegas.

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Os 2 últimos andares do prédio eram um apartamento tipo cobertura. Não uma simples. Uma puta cobertura. Tipo jardins suspensos de Babilônia: pitangueiras, amoreiras, jaboticabeiras - até um abacateiro frutificavam lá. Fora os bichos - pássaros engaiolados, um casal de jabutis, marrecos, uma arara. Inacreditável. Um paraíso perdido com vista para o mar, em plena avenida de N..., no coração da cidade de R.

A cobertura pertencera ao pintor modernista, pai de Marilu Venegas. Por isso estavam dependurados nas paredes da sala quase a metade de um acervo de museu de arte brasileira de médio porte. Na biblioteca do mezanino, milhares de livros. O projeto arquitetônico da cobertura era do Oscar Niemeyer e o paisagismo (sim, havia até projeto paisagístico na cobertura) era do Burle Marx. Falecido o pintor, habitavam ali a filha herdeira e seu esposo Otavinho.

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Enquanto esperávamos a hora da festa, desde as 10 da manhã nós bebíamos as dezenas de cervejas geladas que a condessa de Z mandava vir pelo tele-entrega. Assim, às 20 horas (o horário presumido do início do evento), colocadíssimos (totalmemente bêbados), tocamos a campainha da cobertura.


(continua)

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