terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

nota explicativa sobre os círculos do inferno (para o diário gerúndio)

http://www.rossovenexiano.com/

O primeiro círculo do inferno, chamado Limbo, é habitado por aqueles que não foram batizados e os que nasceram antes de Cristo. Do segundo ao quinto círculo habitam aqueles que cometeram pecados sem culpa. No segundo círculo, os luxuriosos. No terceiro, Cérbero espanca os gulosos jogados na lama sob uma chuva incandescente. No quarto, os avaros e os pródigos empurram pesos enormes como castigo. O quinto círculo é banhado pelo rio Estige, de sangue fervente. Dentro do rio são castigados os irados.

No sexto círculo está a cidade de Dite, onde são queimados os hereges, em tumbas desprovidas de tampas. O três vales do sétimo círculo são habitados pelos culpados por violência. No primeiro estão os homicidas; no segundo os suicidas; e no terceiro os violentos contra Deus.

No oitavo círculo ou Malebolge, estão os fraudulentos. É dividido em dez fossos, ligados por meio de pontes. Em cada fosso habitam os diversos tipos de fraudulentos: sedutores, aduladores, simoníacos, adivinhos, corruptos, hipócritas, ladrões do sagrado, maus conselheiros, semeadores da discórdia e alquimistas.

No nono círculo são punidos os traidores. Este círculo é dividido em quatro esferas: a Caína, Antenora, Ptoloméia e Judeca. Na última está Lúcifer, aprisionado da cintura para baixo, com grandiosas asas e três cabeças, cada boca mastigando os traidores Judas, Brutus e Cássio.

diário gerúndio

refletindo o universo onírico dos iracundos. mapeando as coordenadas do inferno. convidando os habitués do oitavo círculo para animar o regabofe. realocando o imaginário medieval. desconstruindo cosmologias particulares. atravessando o aqueronte só com o bilhete de ida. tirando os sapatos e deixando a esperança na porta antes de entrar.

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enxergando com o estômago. pensando com genitália. engordando a olhos vistos. perscrutando parasitas. coçando o púbis. sentando sobre o próprio rabo. pinçando as sobrancelhas. 
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caçando anjos caídos na calçada da rua augusta. consolando diabinhos maiores de idade na w3. suprindo a carência dos gogo-boys. coroando os estagiários com heliotropos. atirando a primeira pedra. incorporando roberto piva & pedindo um vermute-martini no balcão.
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dissecando caligos & strigiformes. dormindo com o balbucio dos espíritos arbóreos. despertando com o mezzo-soprano da sereia.  tramando a vingança contra os aborígenes. analisando o jogo do adversário. bajulando os rudes & menoscabando os doutos. colecionando filmes b. decepando leguminosas. aprendendo danças alienígenas.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

diário íntimo (bolerão)

o cão uivou toda a noite. provavelmente para os fantasmas interiores. porque o cão não teria seus fantasmas? em tons de cinza. (aprendi na infância: os cães não enxergam cores). será? o cão amanheceu vivo & esfomeado & sedento. manquitola, ainda. porém serelepe. saltita à beira da água. rói goiabas no chão. late para os passarinhos. bufa & assopra & derruba a casa de palha & de madeira & de tijolos dos 3 porquinhos. o cão agora dorme de barriga cheia.

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a coruja pousa no portão. me observa enquanto escrevo durante a madrugada. totem. espírito ancestre. mensageira dos mundos. avatar & guardiã da noite. mocho. suindara. antes, quando não havia asfalto elas eram muitas. revoavam sobre a minha cabeça (quando chegava bêbado de madrugada) desde a parada do ônibus até a porta do quarto. às vezes eu era uma delas.

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sentado à sombra, tomo vermute com gelo & açúcar & soda-cáustica. observo a sereia que canta & se penteia & chora a duplicidade. abro o livro (miguel torga) & leio aleatório:

/ não me perturbes a paz que me foi dada / ouvir de novo a tua voz seria / matar a sede com água salgada /

as entranhas se me contorcem. dou o último suspiro. despenco no cimento. a sereia vira-se na direção do meu estrebuchar. volta a pentear os cabelos. & cantarola um bolerão.

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carreguei a pedra morro acima. caminhei sobre as brasas. flagelei as costas com o chicotinho com ponta de gilete. mastiguei urtigas & sarças ardentes. arranquei as unhas dos pés com alicates. atravessei palavras-arames na garganta. enchi a boca de cacos de vidro. engoli querosene & cuspi labaredas. mesmo assim o meu amor não veio nem telefonou nem mandou mensagem. por isso tartamudeio essa calda rala & enjoativa & pegajosa de arengas que não me resgatarão do inesgotável.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

diário gerúndio

vasculhando as estantes. buscando os fundamentos. alinhavando conceitos. marchetando as melhores ideias. navegando até a afro-ásia. fuxicando sobre os acadêmicos do candomblé. remando contra a estagnação. sobrepondo o preestabelecido. trapaceando o tempo. espirrando. ouvindo tulipa ruiz.

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lendo sobre quero-queros & corujas buraqueiras à tarde. observando a coruja pousada na madrugada do portão. fotografando o casal de corujas ao amanhecer. desmontando a coruja-joia de hefaístos à meia-noite. flying by night, away from here. ouvindo rush.

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repensando a mitologia grega sob a estética queer. reprovando os métodos de hiperion. curtindo o peitoral & as coxas do teseu do filme de ontem. povoando o olimpo de ursos & barbies & bichinhas saradas & produzidérrimas. invocando a fúria dos titãs. restaurando von gloeden. xerocando tom of finland. desenhando com quaintance. ouvindo lady gaga.

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recolhendo os frutos podres. olhando a chuva balançando as palhas do coqueiro. chamando o vento. assistindo aos rascar dos relâmpagos. juntando o granizo no parapeito das janelas. capturando as descargas elétricas. estremecendo com os trovões de adeen & iansã. ouvindo dorival caymi.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

diário íntimo 3

a cadela dorme. goiabas despencam dos galhos. alguém já viu uma jambósia? guisadinho de boneca no almoço & goiabada cascão de sobremesa. levei um fora. dei o fora. fiquei. ficamos. sigo o conselho & acendo a luz da garagem. ouço paralisado as caixeiras da casa fanti-ashanti.

/ o sol pensa que me engana / trago ele ao meu jeito / ele sai eu me levanto / ele se põe e eu me deito /
/ alecrim cheiroso / angél'ca dobrada / vou sair da estrela / ela foi c'roada /
/ de manhã o sol é rei / meio-dia é rei c'roado / às quatro horas ele é morto / às seis horas sepultado /

compartilho músicas como epílogos. medea-dalila-callas. bachiana-bidu-sayão. freak-le-boom-boom-gretchen. funk-gospel-da-pastora-ana-lúcia. guardo segredos & tabus & contradições. vasculho um blog de homo art. isso existe? ontem o filme trash sci-fi dos anos 50 me provocou pesadelos. qual será o de hoje?

os cães ladram e a diligência passa. como diria o caubói de queixo largo & olhos azuis. ou o bardo elisabetano da cabeleira de cachinhos. ou o maldito piva, não me lembro. carruagem. carroça. carrão preto. karmann ghia. dkw vemag. vou de kombi. de táxi. ando muito nostálgico. o futuro nunca chega.

ouço billie holiday. nina simone. alguém já ouviu com miki howard? here is fruit for the crows to pluck / for the rain to gather, for the wind to suck / for the sun to rot, for the trees to drop / here is a strange and bitter crop. ando tão à flor da pele, como na outra música. frutos amargos. prefiro as goiabas brocadas. as jambósias bicadas pela algazarra das maritacas.

por falar em pássaros houve as andorinhas nos fios tensos. o casal de tucanos cruzando o céu um dia desses. o canário no pé de fruta-do-conde. as corujas & os cancãs & os marrecos aos pares no parque. só não garças.

hora de arrumar as coisas para o dia de amanhã. os papéis secretos. a microcâmera. o teletransportador. a caneta-com-raio-desintegrador. as liguinhas superelásticas. os clipes multiuso. a valise-cápsula-do-tempo. os sapatos-de-pisar-estrelas. a camisa-da-invisibilidade. os ansiolíticos. dar de novo a cara a tapa. o tempo do movimento de expansão das galáxias.

aguardo o próximo feriado.

diário gerúndio de carnaval

sacrificando palomas blancas aos penates & aos lares. decapitando a cabra preta ao rei-dionisos-momo. tomando vinho de palmeira & água de rosas com a sereia desalojada.  lendo sobre a origem dos ewe-fon. ouvindo o rei roberto.

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invocando os préstimos de são lázaro. aplicando mosha nas articulações da cadela. fotografando corujinhas sarapintadas. acolhendo o cão sarnento. engasgando com os marimbondos. ouvindo o mavioso canto da cotovia.

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flanando com benjamin. bebendo com baudelaire no café zurrapa no largo da lapa. fofocando com simone & jean-paul. fodendo com as escravas e os escravos brancos de arthur rimbaud na orgia do beco do mijo. batucando na caixinha um samba antigo. vestindo o saiote do faraó & ouvindo margareth.

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ofertando paçoquinhas diet ao erê no portão logo cedo.

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lendo sobre o ahunguelê das princesas-meninas. pescando estrelas com tarrafa. restaurando constelações de nenúfares. vascolejando os balangandãs da baiana. equilibrando as bananas & o abacaxi & o cacho de uvas no cocuruto. revirando os olhos & arremedando os trejeitos & os meneios da brazilian bombshell. pulando no bloco dos mal-lavados. dançarinando afoxé & maracatu & bumba-meu-boi. sentindo falta da marrom & vadeando com clementina.

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assistindo à decadência dos galãs de hollywood. amando loucamente a namoradinha de um amigo meu. sonhando com keanu reeves & acordando coberto de margaridinhas & peônias & mini-copos-de-leite. tomando umas & outras com a velha-guarda & atravessando o samba da contemporaneidade. ouvindo a saga do anel dos nibelungos.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

carnaval com gata em telhado de zinco quente

 - qual a vitória da gata em teto de zinco quente?
- permanecer em cima dele, acho. O maior tempo possível.


- me dê a minha muleta.
- apoie-se em mim, querido.


- esqueceu as condições de vivermos juntos?
- não vivemos juntos, só dividimos a mesma jaula.


carnaval com a gata em teto de zinco quente

- ele não prestava! talvez eu também não, ninguém presta.



- você é uma criança de 30 anos. Logo será uma de 50.
(...) heróis de verdade são 24 horas por dia, não durante um jogo!
(...) a verdade é dor, suor pagar contas...


- a verdade é algo irremediável, e ela a tem!


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

diário gerúndio

pirateando anonymous. curtindo o fellatio elisabetano. lendo sobre cazumbá & caboclos & afoxé & dança do deus-serpente. vasculhando microcosmos da janela do sótão. viajando com xavier ao redor do meu quarto. vestindo o robe de chambre da gueixa. lajeando a ignorância & o desconhecendo as causas. fotografando a escatologia do tédio. ouvindo bach.

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dormindo & dormindo & dormindo. discriminando reações condicionadas. riscando obrigações. vislumbrando a reta final depois da próxima curva. esmorecendo. recobrando os sentidos. rebobinando o presente. assobiando boleros & chupando cana & sapateando com ginger & fred. ouvindo ella fitzgerald.

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bordando a fantasia de nefertite. desfilando no bloco dos limpos. compondo sambas-enredo para o próximo milênio. implodindo a tristeza & deixando passar a nau dos loucos. inflando os peitos de silicone & levantando a saia da mulata assanhada. bloqueando o desfile das lamentações. batendo a cabeça no muro do mijo. urinando nas avencas da alegoria do medo. ouvindo sempre aracy.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

diário íntimo 2

18h. Diante da janela.
Chove lá fora. Dentro, escorro suor. Mariposas de formas tronchas & hediondas & desprovidas de qualquer aerodinâmica & da cor de madeira podre vêm morrer no portal.

12:00. No carro.
Martinho da Vila no rádio me resgata a infância: na minha casa todo mundo é bamba todo mundo bebe todo mundo samba.

13h30. Na cozinha.
Almoço morno com Piazzolla. Denso demais. Desligo o rádio e requento o prato 1 minuto no micro-ondas.

16h. Na varanda.
Tentando hablar con él. O celular não atende. Remédio? Deixar estertorar.

06h30. Na cama.
Acordo com o barulho dos bem-te-vis. Olho o quintal. A goiabeira. O tapete de jambos vermelhos apodrecendo. A cerca de telhas galvanizadas. E um morto-vivo caminhando reto e direto para a janela do meu quarto.

10h. No escritório.
Eu e minha capacidade inata de criar incidentes políticos e diplomáticos de proporções internacionais. Só porque reclamei que as imagens estavam de ponta-cabeça.

10h15. Ao telefone.
Llorando las pitangas com la geisha.

18h30. Diante da janela.
Continua chovendo. Olho para as goiabas e os jambos vermelhos apodrecendo no chão. Respiro o cheiro de fermentação trazido às vezes pela brisa.

19h. Diante da janela.
Desconectado do mundo. A voz gravada ao telefone: Sua área está com problemas de intermitência. A previsão para a regularização é para as 21 horas. Aproveito para tonificar a musculatura e trocar a água do peixe.

19h30. Diante da janela.
Malhando e ouvindo João Brasil na Rádio Criolina: pra me conquistar você tem que rebolar.

diário íntimo

23h50. Dentro de casa.
Releio. Constato: sobreviver dá trabalho.

23h. Na varanda.
Lua-ovo torto no meio das nuvens. Céu azul-chumbo. Sereno da noite. Grilos. Barulho da geladeira na cozinha. Cachorro dormindo. Vinho & cigarros & silêncio.

22h30. No carro.
Volto pra casa sozinho. Ouvindo no rádio Gal & Bethânia dos tempos idos. Cantando com elas ah, minha mãe, minha mãe menininha, ah, minha mãe menininha do gantois.

22h. Na rampa do Museu.
Chupo um Halls preto. Ouvindo uma garota de voz linda cantar melancólicas melodias árabes-ibéricas. Depois de tantos encontros. De tantos papos superficiais. E, talvez, depois de olhares que dissessem mais. Tenho me esforçado em superar. Agorafobia?

21h00. Dentro do Museu.
No meio do zunzunzum do evento o telefonema do homeopata. Aguente firme. Esses sintomas são normais. Expurgo das aflições. O novo ressurgirá.

20h35. Encontro o trabalho. Colagens tímidas. Duas delas de cabeça para baixo. Reclamar para quem? Narrativas visuais delicadas. Descabidas ali, no burburinho. Para serem vistas em silêncio & solidão. Engolidas pela exuberância do entorno.

20h30. Dentro do Museu.
Encontros. Resgate de memórias soterradas. Evito assuntos contundentes. Contorno escombros. Busco ilhas de conforto. Reelaborando Cazuza: o banheiro é o refúgio de todos os tímidos. Bicho acuado. A procurar as colagens no labirinto.

20h. No carro.
Dirijo sem rumo até chegar a hora de ir.

19h15. No café.
Me empanturro de sopa de batata baroa com gorgonzola. Torta de nozes. Ouvindo o matraquear da sereia no cio. Aconselhando. Com vontade de dormir. De desaparecer. De enfiar a cabeça na areia escaldante do deserto.

18:40. No carro estacionado.
Hablando con él.

Das 17 às 18:30. No consultório.
Hablando con el terapeuta.

Antes disso, o tédio. Procurando adaptador para o cano do filtro. Barra de alumínio para a cortina do box. Parafusos para a horrorosa cerca de telhas galvanizadas. Cozinhando feijão para os serralheiros. Ouvindo os dramas cotidianos da faxineira. Agendando a cirurgia do cão. Revendo as atividades do dia. Controlando a vontade de dormir. De enfiar a cabeça na areia escaldante do deserto.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

zaz à montmartre : les passants

diário gerúndio

varrendo & espanando & lavando  & encerando o chão da mansão dos mortos. padecendo sob pôncio pilatos. escarafunchando nietzche & leibniz. tomando chimarrão.
 

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ouvindo a voz do brasil. ouvindo a voz do povo. ouvindo a voz de zeus. ouvindo carmen mcray & canciones gitanas. ouvindo zaz. ouvindo o superego.

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enfiando a mão em cumbuca. pondo a mão na consciência. desejando bom dia a cavalo. cuspindo marimbondos & hemoptises. postando aleivosias. noticiando eventos duvidosos. espalhando boatos.

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dialogando com artistas encomendados.

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reforçando o autopatrulhamento. queimando gordurinhas. perdendo massa encefálica. cauterizendo emoções indesejáveis. calibrando a auto-estima. subindo ajoelhado as escadarias da comiseração. rolando ladeira abaixo. queimando pontes.

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carnavalizando com bahktin. sabendo a sardinha assada do são joão no porto. atirando rosas atrasadas para iemanjá.  incinerando as palmas. guardando a quaresma. desembrulhando presentes.

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acariciando a pelagem do garoto-coelhinho. domando o touro à unha. armando barraco no supermercado. desarmando a barraca. comprando na liquidação de conselhos.  garimpando assuntos populares na escassez de temas.

exposição no museu da república

(5 colagens dialogando com Leonilson)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

diário gerúndio

mascando chicletes. visitando atlântida na voz de ronnie von. chamando o síndico. desabotoando a blusa que você usava. descendo a rua augusta a 120 por hora. subindo até a cobertura com roberto & erasmo. ficando branca como a neve. dirigindo com a loura nas curvas que se acabam. levando uma vida sossegada & gostando de sombra e água fresca. sugando o sangue dos meninos & das meninas que eu encontro. espanando o pó das semicolcheias septuagenárias.

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explorando os labirintos do museu dos teletubbies. bancando o artista para os universitários. desdenhando os tesouros da arca da aliança. bricolando leonilson. recortando corpos sarados. aplicando pauzinhos renascentistas & bundinhas aveudadas & borboletinhas de todas as cores sobre a paisagem. esfregando bálsamo benguê na lombar. desempacotando ciclones sobre as ilhas virgens. zurzindo aos 4 ventos. reconsiderando as convicções. descalcificando o desejo de permanecer.

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remendando o bolso furado do capote. esperando o rigoroso inverno passar. macetando a cabeça de alyona ivanovna. espelhando os malvados ficcionais. dando outro ultimato ao bonitão embromador. escorregando na ribanceira do desespero. desfazendo o peso extra. separando a correspondência do conde vlad. implantando caninos de platina. mordiscando mamilos com gosto de alho. dormitando. esperando o apocalipse acabar. cerzindo o estilo esfarrapado.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

rita lee, polícia, cannabis, recuerdos do passado próximo

Li outro dia que Rita Lee se aposentaria dos palcos. Pop star também tem direito. 65 anos de idade, mais de 35 de exercício da profissão. Como qualquer trabalhador brasileiro. Só estranhei o local do show da despedida: a pacata e tímida Aracaju. Registrei. E não pensei mais sobre o assunto.

Quando, ontem à tarde, li um post indignado no Facebook. Sobre a truculência policial. Onde? No último show de Rita Lee. Em Aracaju. Reli. Impulsivo, rascunhei um comentário. Cinco palavras de pleno apoio à indignação da postulante.

Mas deletei em seguida. Por causa de um conselho da amiga X. Que todos conhecem e a maioria já segue: pensar dez vezes antes de abrir a boca ou de teclar nas redes sociais. Para não engolir mosca.

Antes de retomar o comentário ao post eu procurei me informar. Prós & contras. Nota oficial do governo sergipense. Matérias defendendo Rita. Gente apontando a caretice. Gente se defendendo da acusação de caretice. Gente falando em liberdade de expressão. Gente chamando Rita de emaconhada. Gente denunciando a apologia. O circo www pegava fogo.

Polícia é sempre polícia. Não adianta contemporizar. São trabalhadores, sim, como todos nós. Basicamente com obrigação de assegurar a tal liberdade de expressão. O direito de ir e vir do cidadão. Da mesma forma como a obrigação de Rita é cantar. Ou a nossa, reles mortais, de produzir para o desenvolvimento da nação.

Porém a polícia aracajuana (ou aracajuense?) exagerou. Os dois lados da moeda pelo Youtube. 1: Rita fora de si, virada em um tetéu, chamando os polícias para briga. 2: os capacetes brancos, ostensivos, intimidando a plateia, antes e durante o discurso de Rita.

Maconha? Em um show de rock? Em um festival de verão na praia? Na pacata e tímida Aracaju? Não sejamos ingênuos. A galera fuma até em show da Xuxa ou da Sandy ou do Júnior.

Gostei do discurso de Rita. Um quê saudosista. Dispensaria os chingamentos. Afinal, Rita é uma mulher pública. Manifestando-se em publico. Porém perdoáveis. Dada a neura assumida (sou paranóica com polícia), a despedida em si (esse show é meu) e a natural e irônica senioridade (sou mãe de três filhos. Tenho sessenta e sete anos).
 
Não que eu goste de maconha. Fumei e traguei na adolescência. Como 99,9% da minha geração. Desde aquela época achava uma chatice. As sacações inteligentes. A potencialização da percepção. A harmonia com os elementos da natureza. O extrassensorial. A sociabilização. Etc.

Pura balela no meu caso. Nada rolava. No máximo depressão, paranoia e pensamentos autodestrutivos. Vontade de dormir. Bad trip. Até hoje eu enjôo com o cheiro. E admito a caretice: fumar maconha é um hábito anacrônico, dispensável e inadequado.

No entanto, defendo com unhas e dentes a descriminilização. Como defenderia qualquer um dos direitos (livre expressão, livre arbítrio, livre trânsito) já mencionados nos parágafos anteriores. E pretensamente questionados pelas autoridades sergipanas.

Quanto à Rita, eu sempre gostei. Como se gosta dos ícones de uma época. Ouvia Rita desde os Mutantes. Tive discos. Assisti a shows. Sei a letra de Ovelha Negra de cor. Dancei as músicas de gosto duvidoso dos anos 90 (que tal nós dois numa banheira de espuma)?

Queria ter estado em Aracaju naquela noite. Ter testemunhado o surto paranóico da avó do rock brasileiro. Os impropérios. Os perdigotos pronunciados sem papas na língua. O dragão vomitando fogo. Contra a ameaça policial. Ter vaiado a intromissão dos capacetes brancos. Ter visto Rita saindo presa. Talvez ter seguido junto com a massa, o camburão até a delegacia. Estandarte empunhado. Palavra de ordem na garganta. Coração taquicárdico.

Teria sido um revival. De tempo do qual eu só peguei a rebarba. Tempo diferente deste, politicamente correto. Tempo nem tão velho assim, em que a mediocridade, a imbecilidade, a intransigência, a estreiteza de visão ditavam as regras. Para constatar que esse nosso mundo, quase sempre, não passa de uma pacata e tímida Aracaju. E que aquilo era rock'nroll.