quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Riccky e o Sedutor

Riccky. Assim mesmo. Com “c” duplo. Foto felina no site. Sunga branca. À beira da piscina. 30 anos.

Conversa comportada no chat. Repleta de carinhas amarelas, smiles, piscadelas e linguinhas de fora.

Ameaçou desconectar quando o assunto descambou para preferências sexuais. O Sedutor obrigado a gastar lábia para contornar a gafe. E manter Riccky conectado. Ao fim da noite dobrou-se-lhe a pudicícia.

Valeu o esforço. Riccky era mais bonito ao vivo. Moreno jambo. Dragão e ideograma chinês nas costas. Corpo, pernas, braços, bunda de modelo de anúncio de perfume.

Sentaram-se no tapete. Cenário armado com todo cuidado pelo Sedutor. Media luz, cool jazz, vinho na despensa, uísque, energético. Riccky preferiu cerveja.
Mas não engrenava. Os vôos erótico-filosóficos out do Sedutor abortados pelo papo in de academia, balada, marca de roupa, aditivos químicos, academia. E cervejas.

Era já ou nunca. Abandonando a filosofia, o Sedutor segurou firme o joelho do prestes-a-ser-seduzido. Que fechou os olhos. Cândido. Virginal. Biquinho esperando o beijo. Caliente, ardente, ofegante, molhado, demorado, descontrolado. Aparando qualquer diversidade cultural.

Depois, sem assunto, assistiram TV. Riccky ia embora. Batente cedo no dia seguinte. 5 minutos após deixar o seduzido à porta do prédio, o Sedutor enviou torpedo. Pedido de namoro.

Por descaso ou inexplicável força oculta do além Riccky respondeu a mensagem 2 dias depois. Com um emoticom enrubescido e encontro agendado para o sábado.

O sábado amanheceu repleto de esperanças. Riccky aceitaria? Passeariam de mãos dadas pelo bar gay? Agarrariam-se na pista de dança da boate? Viajariam de férias para Jeri? Cochilariam recostados um no ombro do outro no avião? Etc.

Riccky nem tocou no assunto da mensagem. Trouxe necessaire, camiseta sobressalente e um beck.

Beberam todo o álcool da casa. Riccky fumou o beck. A certa altura e por força da situação aconteceu o sexo. Sofrível. Um bêbado. O outro doidão. O Sedutor impressionou-se com a eficiência de Riccky. Capaz de beijar e assistir TV ao mesmo tempo. Dormiram abraçados. De conchinha.

Ou, melhor, o Sedutor aconchegou-se a Riccky.

Se fosse a história da Bela Adormecida a noite teria durado cem anos. Ao acordar o Sedutor esfregaria os olhos e se espantaria de como tudo estava diferente à sua volta.

Mas não era. Apesar de pairar algo esquisito no ar.

O Sedutor acordou cedo. Sentou-se na poltrona em frente à cama. Só para olhar Riccky dormir. Cena digna de qual pintura de Hockney? Qual foto de Mapplethorpe? Qual desenho de Wesley Duke Lee?

Finalmente Riccky acordou. De cara feia. Nem uma beijoca. Um bom dia. Um sorriso. Um olhar. Nada. Vestiu a cueca. Mijou de porta aberta. Ligou o computador sem pedir. Entrou no site (o mesmo onde eles se conheceram). Conversou por muito tempo no espaço virtual. Como se o Sedutor, real, não existisse.

Depois Riccky pediu uma toalha. O pedido-fagulha-de-esperança reacendeu a chama-da-esperança do Sedutor. Claro, era só ressaca. Riccky só precisava de banho para recuperar-se. O Sedutor buscou a toalha mais king size, mais felpuda, mais macia, mais cheirosa.

Enquanto Riccky banhava-se, o Sedutor caprichou no café da manhã. Louça nova, talheres, guardanapo. Brunch de primeiro-ministro. De Lady Di.

Riccky sentou-se diante do banquete nem aí. Penteando o cabelo. Despejou o café na xícara. Na toalha branca da vovó. Vasculhou a mesa.

- Tem ovo frito?

Dava até samba, o Sedutor pensou. Enquanto vestia o avental para fritar o ovo de Riccky.

Samba coisa nenhuma. No máximo letra sertaneja.

Inventou uma desculpa. Tipo a mãe morreu agora mesmo em acidente aéreo em Uberlândia. Precisava sair rápido. Colocou Riccky no carro. Junto com a escova de dentes, a bagana. E a promessa de se verem de novo qualquer dia desses.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A Órfã


Era uma vez uma órfã. Coitada. Quase meia-noite. Da noite de natal. A órfã vendia fósforos no semáforo. Chovia, trovoava, relampejava, ventava, nevava e a órfã lá, oferecendo fósforos para janelas de vidro espelhado fechadas. A órfã vestia um short velho e uma camiseta rasgada. Até àquela hora a órfã ainda não tinha vendido nem uma caixa sequer. Nem uma moeda de esmola. A órfã tinha tremia de frio e de fome. Tinha saído cedo do abrigo. Sem nada pra forrar o estômago. A não ser o pedaço de coxinha que a mulher do Pajero jogou pela janela antes do semáforo abrir.
A órfã achava lindas as luzes, tos enfeites de natal da cidade. Pensava que o trenó cheio de presentes de Papai Noel ia se despregar da fachada do shopping, dar um loop no céu, parar no sinal vermelho e Papai Noel comprar logo um pacote de caixas de fósforos, o estoque todo escondido no bueiro. Ou então mandar a órfã subir no trenó, abrir a cesta de piquenique e oferecer um pedaço de panetone, um copo de fanta-uva e sobremesa de pêssego em calda.

Mas não. Naquela hora só tinha na rua os carros com os vidros fechados e os meninos de rua. Dormindo debaixo de caixas de papelão.
A órfã não perdia as esperanças. Papai Noel não tinha vindo porque estava ocupado demais distribuindo os presentes das criancinhas. Podia voltar então a fada madrinha, a mulher da coxinha da Pajero. Podia voltar e abrir um pouquinho mais o vidro, só pra órfã ver melhor o rosto dela, os cabelos louros presos pela tiara de diamantes, a vara de condão largada no banco do passageiro, o vestido de fofo de tule atrapalhando passar a marcha, as fitas desamarradas da sandalhinha embaraçada no pedal da embreagem, a nuvem de perfume de desodorante dos bancos de couro, ouvir a música de sininhos, harpas e vozes de anjos do rádio.

O movimento dos carros tinha diminuído. A órfã sentou-se no meio-fio, sobre a neve, molhada de chuva, assustada com os trovões, os cabelos pingando, os olhinhos brilhando com o reflexo dos raios. Riscou um fósforo para aquecer as mãozinhas enregeladas. O fósforo apagou-se com o vento, com a chuva. Outro. Mais outro. Até acabar a caixa. O pacote que Papai Noel não quis comprar. O resto do estoque do atravessador, escondido no bueiro.

A órfã ficou triste. Chorou. Logo que saíam as lágrimas viravam gelo dos olhos. Sentia saudade da mãe, dos dez irmãozinhos espalhados pelos orfanatos do mundo. Junto com a lágrima, um brilho de luz azul surgiu na frente dela e começou a aumentar, aumentar, e envolveu a órfã. Era uma luz quentinha, amolecia o corpo, dava sono, preguiça, vontade de deitar na neve de algodão, fofinho, quente, ninho, colo, pele do casaco do papai Noel. A luz dos farois de uma Pajero.

Noite feliz

Enquanto papai não chegava com o frango Huguinho contava histórias pra enganar a fome de Zezinho e Luizinho.

Missa do galo

O melhor aluno do catecismo. Conhecia os patriarcas, Sara, o reis Davi e Salomão, a Arca de Noé. Deus era um triângulo enfiado no meio da nuvem exalando raios desenhados com lápis-de-cor. Além disso, voz de sabiá.

O sonho era cantar. Na igreja.

Não prestou atenção ao recado da professora. Coral na missa das crianças, às 10. Do dia 25.

Camisolão cor-de-rosa, auréola de arame polvilhada de purpurina, asa de pena de pato. Às vésperas, na missa do galo, na porta da igreja, procurando.

A professora? o resto das crianças? Ninguém. Huguinho anjo solitário, anjo deslocado, anjo frustrado, anjo derrubado.
 

Olhos inchados de sono e choro, no colo do pai, ouvindo as 12 badaladas da meia-noite.

Reis magos


6 meses desempregado. Sem dinheiro nem para o frango, a mirinda da ceia. Imagina para a bike do Júnior? Culpado, fracassado, frouxo. Colocar filho no mundo pra quê? Barrado pelo segurança. Bêbado na porta do shopping. Bicicleta velha amarrada no poste, cadeado de segredo fácil, vapt-vupt, não faria falta ao dono. Só não viu o segurança, o polícia, de butuca ligada. Pego no flagra. Com a boca na botija. Com o cadeado mole na mão. Choveu porrada, ladrão, safado, vagabundo. Emborcado no canto escuro, a boca sangrando, todo quebrado, enxergava um pedaço do rabo da estrela-guia piscando verde, vermelho, azul, na direção da estrada de Belém.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Ceia

O que Huguinho mais gostava no natal?
Juntar limo com mãinha pra enfeitar a lapinha.
O que menos gostava?
De saber que painho tinha bebido com o dinheiro do frango assado e da mirinda.

Primogênito

Painho, desculpa, pode parar de bater no Zezinho. Fui eu quem tirou o dinheiro da sua carteira pra comprar o vestidinho da Barbie.

Primeiro natal sem mamãe

O câncer corroeu ela todinha por dentro. Coitada, morreu seca como um pardalzinho. Justo na noite de natal. Por isso papai começou a beber.

Neve e vinil

- Mãe, põe o disquinho de novo?
Deitado de olhos fechados Huguinho imaginava a neve acumulada nas torres do castelo e o baile no salão iluminado e a orquestra e o príncipe vestido de branco e galões dourados se aproximava e o convidava para a próxima dança.

Cartinha

Querido Papai Noel 

Fui um menino comportado e obediente tirei boas notas rezei todo dia queria muito ganhar bicicleta patins meião de futebol e uma Barbie Princesa.

Luizinho

Manjedoura

Enquanto o pai dividia a marmita, Huguinho juntava serragem e cavacos no canteiro da obra pra fazer a manjedoura do presépio.

Papai Noel

Esperavam papai, mamãe e os três patinhos no caixa para pagar o velocípede do caçula Luizinho.


A bexiga de Zezinho mal se continha de felicidade.
- Vai, meu filho, pede ao moço pra te mostrar onde é o banheiro.

Voltou chorando.

- Meu filho, o que aconteceu?

Tinha visto Papai Noel no banheiro, mijando, barba colada pela metade, a metade de um cigarro dependurado no canto da boca.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Nem tudo acaba em pizza

Era uma vez G. Conheceu B na internet. Esta é a história do primeiro encontro real.
G passou anti-rugas nas olheiras. Pinçou aquele pelo espetado da sobrancelha. Pingou colírio. Tomou energético na taça de champanhe. Ligou confirmando, voz de galã despreocupado de novela, disfarçando a ansiedade.
Para vestir-se, só dúvidas. Roupa sai, volta, amarrota-se, empilha-se sobre a cama. Passando da hora, optou pela linha liberdade é uma calça velha, azul, desbotada, desfiada na coxa e na bainha, camiseta branquíssima, nem justa nem folgada e os charmosos tênis cinza.
Exalava segurança ao entrar na pizzaria. Será que reconheceria B a partir da foto da internet? Escolheu mesa estratégica, nem vitrine nem porta de banheiro. Pensou em ligar. Ainda não. Mais 15 minutos.
B chegou. Nos 15 minutos de tolerância. Também cheiroso. Sorriso de arrasar. Um lindo par.
G sugeriu o recheio da pizza. Pittoresca. A única que valia a pena: gorgonzola, geleia de pimenta, cogumelos cinzentos e pretos com gosto de mofo azedo e carne de bode desfiado. Bode? B disfarçou. Optou pela meia Tradizionale. Nunca tinha comido bode. Detestava cogumelos. G quis cancelar. B contemporizou: tudo bem, cada um come a sua metade.
G tomou o primeiro chope. O segundo, calor insuportável!  B tomava refrigerante zero, estava acima do peso, trabalhava cedo no dia seguinte. B era de falar pouco. G bloqueou-se procurando assunto.
Felizmente a pizza chegou. Bem na hora que o papo descambava para o tema dos “ex-“. G comeu as 3 fatias da Pittoresca. Mais uma da Tradizionale de B, para experimentar. B contentou-se com as 2 restantes, estava sem fome, a dieta. G fez uma piada infeliz: assim você não vira baleia. B riu amarelo, coitado. G tomou o terceiro chope. Que acabou rápido. Controlou-se para não pedir o quarto, o quinto, e quem sabe o sexto. Na esperança de estar sóbrio para salvar o naufrágio eminente.
Passaram a falar amenidades. Ou, melhor, G falou. Do livro que estava lendo, ultraviolência, pedofilia, necrofilia. B cada vez mais tenso. B não gostava de ler. Era disléxico, justificou-se. G pediu o quarto chope.
B apressou-se em pedir a conta. Fez questão de pagar. Despediram-se de pé, no estacionamento, B nervoso balançando as chaves. G abraçou B. Beijou. B virou-se, o beijo saiu deslocado. Estralado. Na orelha. Riram. Por via das dúvidas, G optou por não tentar de novo.
Chegou em casa pilhado. O que tinha dado errado? Ligou o computador. B não estava logado. Às 2 da madrugada, enquanto teclava com Pimentinha19 (muito carinho para dar, procurando pessoa madura para relacionamento sério) G sentiu saudades de B. Impulsivo, mandou  uma mensagem-desfecho: a gente podia repetir a pizza ou ir direto pra sobremesa. Assim mesmo, o verbo, a metáfora óbvios. B não respondeu.
No dia seguinte G tentou remendar o soneto. Mandou outra mensagem, desculpando-se do horário da anterior e reafirmando a proposta safadinha. Continuou sem resposta. Passou o dia perguntando-se porque a fada madrinha tinha se esquecido de dar a ele, no nascimento, um vidrinho de discernimento e um zíper na boca.
B só ligou à noite. Nem tinha percebido os micos de G, imagina! Saíram de novo. Várias vezes depois. Apaixonaram-se. No quarto chope do quinto encontro, G pediu B em casamento. B pediu um tempo para pensar.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A parada

Era uma vez ele e a amiga. Em uma loja de cacarecos chineses no Taguacenter. Enquanto a amiga escolhia flores, ele bisbilhotava as fantasias. Chapéu de caubói. Peruca black-power. Máscara do Batman.
Nem viu o vendedor aproximar-se:
- O senhor vai arrasar na Parada com a peruca.
Senhor? Parada? Não era com ele. Discretíssimo sempre, teria dado tanta pinta assim?
O vendedor insistiu:
- Mas o chapéu com os oclinhos ficam melhor.
Olhou em volta. Ele e o vendedor eram os únicos representantes do gênero masculino em um raio de 50 metros. Era mesmo com ele.
O sorriso do vendedor era lindo. Ele engatilhou o chavão: o senhor está no céu. Pode me chamar de Zé.
Ficaram íntimos. Uilson. Com U. Engraçado, Ele ainda não conhecia alguém cujo nome principiasse com U. Quem sabe iriam juntos à Parada? Quem sabe Uilson decidia a escolha? Angela Davis? Brokeback Mountain? Homem-Morcego?
Uilson perguntou se a amiga era a esposa. Não!, Zé respondeu. Nem usava aliança! Mostrou a mão para não restar dúvida.
Comedido, escolheu a máscara. Despediu-se de Uilson, que atendia outra freguesa:
- Ei! pega o cartão da loja. Caso o senhor se arrependa.
Seria uma cantada?
Enquanto ajudava a amiga a guardar a floresta sintética no portamalas, Zé narrou o sucedido. A amiga foi rápida. Tirou o cartão do bolso dele. Ligou para a loja e entregou o celular.
Zé ousou. Ou perdeu a noção de ridículo. O que mais podia acontecer? Pediu para chamarem Uilson.
- A que horas vocês fecham a loja? Podemos almoçar depois?
- A loja fecha às duas. O senhor me desculpe, mas nada a ver. Sou hetero.
Zé perdeu a fala. Desligou. A vontade era entrar no portamalas. E afundar-se nas bromélias da amiga. Uilson era mesmo um bom vendedor.
...
A história não acabou. Zé iria, sim, à Parada. Ver gente. Mesmo sem U. Mesmo se flagrasse o ex- aos amassos com algum sirigaito desmilinguido.
Minutos antes de sair a amiga ligou. Liquidação de sofás imperdível. Era o sinal para desistir do evento. Ele nem pestanejou. Passaram a tarde juntos.
Chegou em casa por volta das 7. Pronto pra ver um filme. Ler. Dormir cedo. Porém Narciso cutucou: porque não fazer uns abdominais pra queimar a testosterona?
Abandonado por Morfeu, ele desceu pra malhar na academia do prédio. Por volta das 22, ao invés de cansado, estava ligadíssimo.
Tomou banho. Vestiu uma roupinha descolada sob os eflúvios de Afrodite. Dirigiu-se para o campo de batalha comandado por Ares.
O leque das possibilidades era amplo. Os retardatários da parada. Os garotos do bar. O Parque. A sauna. Quem sabe um príncipe encantado que a fada madrinha Hera materializasse no banco do passageiro do carro.
O estacionamento do Parque estava lotado. Muita gente circulando. Música animada vinda do quiosque.
Aí foi a vez de Hefestos, o coxo. Zé começou a se sentir inapropriado. Deslocado. Mal-vestido. Desajeitado. Feio. A auto-estima tinha chegado na reserva. O carro virou abóbora; os cavalos, ratos; o cocheiro derreteu-se como sorvete de pistache. Forçou a barra. Achou vaga. Estacionou. Mas não desceu.
Só podia ser mensagem subliminar de Atena: ainda não era a hora do príncipe. Nem mesmo um pajem.
Voltou pelo mesmo caminho. Billie no rádio. Maybe shall meet him Sunday, maybe Monday, maybe not. Pendurou Batman no puxador do armário. Ao lado do espelho. Dormiu como um sapo. Acordou na 2ª feira com o empurrão de Hermes e 2 xícaras de café. No ano que vem Zé compraria a peruca.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Margareth com "th"


Trabalhar fora? nem pensar. A pele de bebê condenada a murchar no puxado do fundo da oficina.

Margareth. Com "th". Mas preferia Meg. Meg do Zé Borracheiro. Tão delicada. Sorriso de propaganda de creme dental.

Unha vermelha? Escova permanente? Tintura loira? Lingerie branca? Tudo coisa de puta. Não suportava mais ouvir.

Prisioneira do monstro.

Cada noite o bruto morria diferente. Pó de vidro no arroz. Veneno de rato na cerveja. Gilete na carótida. Chumbo derretido no ouvido. Explosão do compressor. Tiro. Incêndio. Homicídio.

No dia seguinte o mesmo café com pão. Arroz, feijão e bife. Sopa de legume, canja. No domingo, macarrão com frango e estupro.

Estupro sim. Es-tu-pro. A manicure horrorizada aumentou o volume do rádio.

Amiga libriana, corte da vida tudo que não te serve mais.

Tirou o dinheiro que pôde. Arrumou a mala. Daquelas vermelhas, antigas, de couro falso e forro de cetim. Duas mudas de roupa. Creme nívea. Estojo de maquiagem. Dentifrício.

Sentadinha no ponto de ônibus nem viu o Zé se aproximar por trás. Só o sopapo. O gosto de sangue. O povo juntando. Dois dentes. Logo os da frente.

O covarde gostou. Repetiu a dose. A sopa insossa. Ou salgada. A batata cortada grande. Cozida demais. Café fervido. Copo mal lavado.

Coitada. Queixar a quem? Proibida de telefonar. De ligar o rádio. Até de fazer as unhas. Delegacia da mulher só em Goiânia.

Nunca mais riu quando a chamavam de Meg. Vergonha dos dentes quebrados.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O Pato que queria ser o Tio Patinhas - Fim parte 1: O peixe


O raio na água, a luz estroboscópica e a música marcial que sucederam o insight do peixe na parte 8 mudaram tanto a vida do pato quanto do peixe. 
O peixe tinha percebido que o capitalismo selvagem não valia a pena. Que se continuasse dando murro em ponta de faca morreria de estresse, infarto, câncer nas guelras.

Imaginou os paramédicos empurrando a maca com ele em cima pelo corredor verde fosforescente do hospital. A porta da sala de cirurgia com 2 escotilhas redondas. Os tubos nas veias. A máscara de oxigênio. As linhas verdes do gráfico e o bip contínuo do monitor cardíaco da UTI.

Não pretendia esse fim.

Demitiu-se. Casou-se com o namorado na Argentina. Os dois vestidos de fraque. Ao fim da cerimônia protagonizaram o primeiro beijo gay do blog.

Viveram felizes para sempre. Agora mesmo estão sentados os dois, abraçados, na janela da casa em um condomínio cercado de algas e vegetação subaquática, com muito lodo para as piabas gêmeas adotadas brincarem.  

O Pato que queria ser o Tio Patinhas - Fim - parte 2: A pata

A pata virou a vilã da história-novela.

Tivesse canalizado o tino empresarial, o senso de oportunidade para os negócios lícitos do pato, teria se divorciado. Faria um concurso no tribunal. Venderia imóveis. Candidatar-se-ia à vaga do peixe na firma do Tio Patinhas.

Mas a ambição ilimitada foi sua perdição.

Certa que convenceria o marido pato a ser mais rico que o Tio Patinhas e o Bill Gates juntos, a pata armou. E se deu mal.

Com mil artifícios de sedução que só as patas conhecem - dança do ventre, ambiente aromatizado, luz indireta, música lounge, vinho chileno, depilação – a pata engambelou o pato. Fez com que ele bebesse todas. Depois, que assinasse uma procuração em branco. Transferindo a ela todos os bens a serem adquiridos com o último desejo. Inclusive a moedinha nº 1.

Foi pega em flagrante. Pela policia federal. Que investigava o enriquecimento do pato. Em conta-fantasma da pata na Suíça.

Com a boca na botija. Apareceu na tevê algemada. Escoltada por dois gansos marombados e de boné preto. Casaco tentando tapar o rosto. Sendo empurrada para dentro do camburão.

O fim natural da pata-heleninha, da pata-odete-roitman, da pata-georgina-dos-santos, da pata-flora foi o xilindró. Como não podia deixar de ser. Descabelada, gerenciando uma rede de comércio ilegal de cigarro picado e desodorante roll-on na carceragem.

O Pato que queria ser o Tio Patinhas - Fim - parte 3: E o pato?

Nunca se soube o teor da conversa do pato com o peixe na parte 12. Nem o último desejo do pato. Extirpou o rabo e as orelhas? Casou, mudou e não deixou endereço? Voltou a ser rico?

Foi visto pela última vez em close. A cara mais feliz do mundo.

Ao afastar-se a câmara, muito lentamente, os indícios:

No meio do lago. O por-do-sol ao fundo. Um barco. Branco. Barco não. Um iate branco. Conduzido pelo sisudo mordomo Garnett.

A câmara volta ao pato.

Vestido com o jaquetão vermelho. Cinto preto. Cartola. Bengala. Polainas. Óculos de leitura. O pato enfia a mão no bolso e tira algo. Que cintila com os últimos raios do sol.

A câmara aproxima-se. Da mão-asa aberta do pato. Uma moeda.

A moedinha número 1. De quem? Dele. Do Tio Patinhas.

A câmara afasta-se. O rastro de água do iate. Até a margem do lago.

O iate diminuindo, diminuindo, diminuindo até desaparecer no horizonte.

Pato sortudo...

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Comentário antes do fim

De conto de fadas a história do pato que queria ser o Tio Patinhas virou novela.
Novela de sucesso estende-se noite após noite, mês após mês, anos até, a se perder de vista. Novela sem audiência termina rápido e depois de 2 dias ninguém se lembra do nome da mocinha. 
Feliz ou infelizmente nenhum dos casos é o da novela do pato que queria ser o Tio Patinhas. Uma noveleta experimental, de blog. De cunho moral, ético e filosófico.
Todo último capítulo de novela que se preza tem casamento, julgamento, morte, revelação de segredo, solução de crime, enriquecimento justo, beijo, lágrima, risos e punição. Esta não fugirá à regra. No próximo post. 

Aguardem!

O pato que queria ser o Tio Patinhas - penúltimo capítulo

A fúria de um tufão tropical avassalava a floresta. Arrancava árvores pelas raízes. Destelhava as casas de campo. Ondas gigantes encapelavam-se na superfície do lago.

Mesmo assim o pato chamou o peixe.

O peixe veio. Mal humorado. O pato desculpou-se pelo incômodo. Precisava comunicar pessoalmente ao peixe o último desejo. O peixe condescendeu.

Conversaram até o tufão passar. E o sol surgir entre as nuvens, resplandecente, rebrilhando nas gotas da chuva depositadas nas folhas, secando as penas do pato.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O pato que queria ser o Tio Patinhas - parte 12



Da mesma forma que a pata na Parte 4 da história, o pato teve dúvidas.

(Recordando o dilema tripartido da pata: a. salvar o casamento por interesse; b. convencer o pato a ser rico de novo; c. divorciar-se após garantir o futuro).

O pato pensou, pensou e pensou.

Se fosse pata, de tanto pensar teria botado um ovo.

As conclusões do pato também podiam ser listadas em “a”, “b” e “c”. A aparência física não o incomodava. O pato não era vaidoso. O amor pela pata tinha fenecido. Sufocado pela hera da ambição. Da desconfiança. Da traição. (O ganso?) Restava ao pato o postulado da alínea “c” - o sonho do início da história – ser rico como Tio Patinhas.

O pato pensou mais.

Antes de tomar a decisão da sua vida, chamou o peixe. Para uma conversa de pato para peixe.

O pato que queria ser o Tio Patinhas - parte 11

Na Parte 3 desenrolou-se o imbróglio dos 3 desejos.

O pato tinha desperdiçado 2 por pura estultice: com o 1º, surgiram-lhe orelhas e rabo de burro; com o 2º ficou pobre como no começo da história. Depois, bico calado.

Pobre pato pobre. Ainda por cima burro.

Mas apesar de pobre, simplório, néscio, turrão, fraco de opiniões, burro, sem noção, sem visão e etc, o pato percebeu o momento crucial.

Compreendeu que se se esforçassse, se mantivesse a cabeça fria, se não se deixasse levar pela impulsividade tiraria o máximo proveito da situação.

Seria o lampejo de inteligência do pato efeito colateral da neurolinguística do peixe?

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O pato que queria ser o Tio Patinhas - parte 10

O pato desejou. O pato pediu. O pato foi atendido. Virou o Tio Patinhas. O Bill Gates. Como foi fabulado na Parte 2. 

O pato se satisfazia com o limite da fantasia. Porém, com a pata era diferente.

A pata não se satisfazia com churrasco na laje. Com calcinhas de loja de departamento. Com bolsa da feira do Paraguai. Com mergulho em cédulas de dólares. Com champanhe e petit-fous para o chiuaua. A pata não suportava o mordomo Garnett. Queria ser presidenta, rainha, imperatriz, papisa, deusa. Sabe-se lá o que mais.

Para a pata, tudo era sempre pouco. A pata tinha visão de futuro.

Mas, para alcançar o almejado a pata necessitava do pato.

Do pato estulto.

Do pato a quem bastava ser o Tio Patinhas.

O pato que queria ser o Tio Patinhas - parte 9


A ideia do peixe era colocar em prática as teorias e as técnicas aprendidas - na empresa incubadora da faculdade, na pós de Administração, no posto sênior da firma do Tio Patinhas - para engambelar o consumidor. Com seus superpoderes.

O peixe tinha encontrado a cobaia certa. O pato simplório.

O desejo do pato era normal. Ascensão social. Claro que pulando muitos degraus, andares inteiros, mas mesmo assim, ascensão. Ser o Tio Patinhas era o toque filosófico no anseio do pato. O toque humorístico. O toque nonsense.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O pato que queria ser o Tio Patinhas - parte 8

Recapitulemos.

Parte 5. O peixe estava uma pilha de nervos. Por causa do trânsito, das metas abusivas, da DR (Discutir o Relacionamento) com o namorado, da impossibilidade de fumar um cigarro no fundo do lago.

Parte 5 e Parte 6. Que falam do grau de intensidade com que as ondas cerebrais dos peixes, a neurolinguística e os métodos de condicionamento propagam-se no mundo subaquático, no das fábulas, no da internet e nas ficções em geral.

Aquilo tudo junto tinha dado um curto-circuito no cérebro do peixe. Falha na sinapse dos neurônios, excesso de fosfato, deficiência de litium.

O peixe rebelou-se. Contra o sistema. Tinham lhe dado aqueles poderes todos? Para embromar os consumidores? Para atender às demandas do capitalismo selvagem? Para aumentar a margem de lucros do Tio Patinhas?

O peixe teve uma ideia. Brilhante. Fulgurante. Mirabolante. Espetacular.

Caiu um raio na água. Borbulharam bolhas da cor do arco-íris. Tocou música marcial. Piscou luz estroboscópica.

O pato que queria ser o Tio Patinhas - parte 7


Nem frustração nem ilusão. Que o leitor incrédulo dê o braço a torcer com a constatação do narrador: essa história de neurolinguística funciona. Até debaixo d’água.

Aliás, funciona melhor por ser debaixo d’água. E por tratar-se de fábula, conto de fada, blog, ficção.

Funcionou com o pato. Como pode ser comprovado nas partes de 1 a 6 da história.

Só tinha um porém.

O peixe.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O pato que queria ser o Tio Patinhas - parte 6


O peixe já entregava os pontos quando veio o pato. O peixe pediu para o pato desenroscar a rede de náilon. O pato demorou a compreender, pois também queria escapar. O peixe teve paciência com a lerdeza do pato. O pato era sua salvação.

Finalmente foi libertado.

O peixe simpatizou-se com o pato. Aplicou neurolinguística, psicologia comportamentalista. O pato foi receptivo. A onda cerebral do peixe penetrou o intelecto do pato. O peixe descobriu o ponto fraco do pato. A história de querer ser o Tio Patinhas.

O pato representava o consumidor potencial. Uma tábula rasa em termos de desejo de bens materiais. O pato pensou com seus poderes, conferidos pelo Tio Patinhas em pessoa: Tudo o que o pato desejasse o capitalismo selvagem proveria.

Nem que fosse em forma de frustração.

Ou de ilusão.

Dia de Gbe



segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O pato

Finalmente uma foto original

O pato que queria ser o Tio Patinhas - parte 5


Era uma vez um peixe. Um peixe de classe média. Nasceu no meio dos juncos, cercado do carinho dos pais e da companhia dos irmãos. Frequentou os melhores jardins de infância Montessori, Piaget. Cursou o ensino básico e médio em escola alternativa, eubiose, método Paulo Freire. Fez aulas de inglês. Guitarra. Mergulho. Passou em primeiro lugar no vestibular. Cursou Direito, Administração, Contabilidade. Trabalhou nas empresas mais top do lago, galgando a ascensão profissional degrau a degrau. Até chegar a ouvidor na empresa subaquática do Tio Patinhas.

A função do peixe era, óbvio, ouvir. E solucionar. Ouvia reclamações das mais coerentes às totalmente esdrúxulas. E resolvia problemas em geral.

O dia em que fora salvo pelo pato foi péssimo. Se fosse possível, o peixe teria fumado um cigarro para desestressar. Problemas insolúveis. Pressão do chefe. Corte de gastos. Engarrafamento. Para completar, a tarrafa.

Embaraçou-se por pura distração. Quanto mais debatia, mais se embaraçava. Mínima chance de sobrevivência. Destino inglório o do peixe, tão estudado, tão competente, virar moqueca.

domingo, 28 de novembro de 2010

Presente-história para o blog Escolhas, da amiga C:

Domingo, 17:30. Chegando em casa pra lá de Bagdá depois de um happy hour pra lá de alcoólico com amigos pra lá das antigas:
Sobrinho de 7 anos:  Vamos jogar futebol?
Eu: (com a fala engrolada e empastada pelas 17 cervejas): Não. Tou com sono. Vou dormir.
Sobrinho de 7 anos: O que você tem na boca?
Eu, crente que enganava o sobrinho: chiclete.
Sobrinho de 7 anos: só vou poder mascar chiclete depois dos 15 anos.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Explicação necessária

As imagens que ilustram a história do pato que queria ser o Tio Patinhas são pirateadas a partir de pesquisa no google. As que eu gostaria de postar estão em livros encaixotados, sabe-se lá guardados onde.

O pato que queria ser o Tio Patinhas - parte 4


Depois do ocrrido a pata obrigou o pato a fechar o bico. Por receio dele gastar o último desejo.

A pata enfrentava um dilema tripartido: a) como conciliar a convivência com o horroroso pato-burro e ainda por cima pobre; b) convencer o pato a aceitar sua condição híbrida, desejar ser rico de novo, nem que fosse só quaquilionário como o Tio Patinhas; c) tirar o máximo proveito do desejo do pato e em seguida pedir o divórcio.

Quanto à alínea “a” era moleza. Ela nunca tinha sido de grandes arroubos amorosos. Quanto à “c” também não teria dificuldades. O pato era um sujeito fácil de se convencer. O problema estava em “b”. O pato era turrão.

Enquanto a situação no ninho dos patos não se resolvia, vejamos a história do peixe.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O pato que queria ser o Tio Patinhas - parte 3

Para o pato, ter sido o Tio Patinhas bastava. Mas a pata era insaciável. O pato repetiu as palavras do peixe. A pata exasperou-se: Jumento! Só mais 3 desejos?
 
Pois eu preferia que me nascessem orelha e rabo a aguentar tanta falta de respeito - o pato retrucou. 
A pata viu horrorizada surgirem orelhas e rabo cabeludos surgirem no pato.
 
Tomado de fúria, o pato não notou a transformação. Continuou: eu preferia voltar a ser pobre, mais pobre que o Tio Patinhas, pobre do jeito que a gente era antes de encontrar o peixe do que pedir a ele nem que fosse um alfinete.
 
Ai, meu deus! gemeu a pata. No mesmo instante o edifício de 152 andares se transformou-se primeiro na caixa forte e por fim no velho e miserável ninho. As roupas chiques da pata viraram molambos. As joias, bijuterias. O perfume francês virou colônia paraguaia.
 
Além do mais – continuou o pato – eu queria mesmo...
A pata era rápida em matemática. Fez as contas: o pato tinha desperdiçado 2 desejos. Faltava 1. Precisava salvar a situação, custasse o que custasse. Interrompeu. Implorou:
Nem mais uma palavra ou você põe tudo a perder.

(continua amanhã)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O pato que queria ser o Tio Patinhas - parte 2

Certo dia o pato pobre enrolou-se em uma tarrafa quando nadava no lago. Ao desembaraçar-se, notou um peixe aprisionado nela. Apesar de néscio, o pato era bondoso. Libertou o peixe. Em troca, o peixe ofereceu gratidão eterna. Caso o pato necessitasse, era só chamar.

O pato contou o sucedido à pata. A pata enfureceu-se. – Otário – vociferou – não vê que era um peixe encantado? Volte e peça a ele te transformar no Tio Patinhas.

O pato obedeceu. Chuviscava. Chamou o peixe. O peixe atendeu o pedido. Ao invés do ninho, ao voltar o pato encontrou a caixa-forte do Tio Patinhas. Ao olhar-se no espelho, viu-se vestido com o jaquetão vermelho, a cartola, as polainas e os óculos de leitura do Tio Patinhas.

Nadou em dinheiro. Almoçou em Paris. Jantou em Nova Iorque. Rodou o mundo. Aproveitou. Gastou.

Até baixar o nível do dinheiro da caixa forte. A pata repreendeu o pato: - Simplório até no desejo! Tio Patinhas é mendigo ao lado de Bill Gates! Mandou o pato procurar de novo o peixe.

O pato foi. Chovia a cântaros. O peixe atendeu o desejo. O pato encontrou, ao invés da caixa-forte, um edifício de vidro espelhado de 152 andares. A pata fez cirurgia de redução do estômago, esticou as rugas, diminuiu o bico, suspendeu os supercílios.

A pata não tinha mais tempo para o pato. Esteticista. Massagista. Psicanalista. Costureira. Etcétera. Brigavam nos poucos momentos que passavam juntos. Por descontentamento da pata. Reclamava de tudo. Da internet. Do celular. Do mordomo Garnett. Da falta de ambição do pato.

A pata mandou o pato voltar ao peixe. O pato, mesmo burro, sabia. Não era boa ideia. Mas tanto a pata atazanou que ele foi. Caía uma tempestade. O pato quase foi arrastado pelo vento. Quase foi atingido pelo raio. Quase ensurdeceu com os trovões.

O peixe estava contrariado. Apesar de considerar a dívida mais que paga, concederia ao casal palmípede três desejos-bônus. E que se escafedessem ou se arrependeriam para sempre. 

(continua amanhã)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O pato que queria ser o Tio Patinhas


Era uma vez um pato. Um pato pobre. O sonho do pato era ser muito rico. Rico como o Tio Patinhas.

Para ser o Tio Patinhas o pato até vestiria o jaquetão vermelho ridículo. O cinto preto de fivela larga. As polainas. A cartola. Morreria de medo dos irmãos-metralha levarem-lhe a moedinha nº 1. Cercar-se-ia de sobrinhos-urubus interesseiros, que só esperavam a herança. Qualquer coisa. O pato não via desvantagens em ser o Tio Patinhas.

Só que para ser rico era necessário ser, antes de tudo, inteligente. Esperto. Ousado. Atirado. Oportunista. O pato não era nada disso. Era apenas um pato.

Se fosse rico o pato construiria uma piscina. Igual à do Tio Patinhas. Nadaria em dinheiro. Tudo bem, seria nojento, incômodo, o cheiro deveria ser horrível, dinheiro passa de mão em mão, é cheiro de bactérias, dinheiro é sujo, dinheiro é isso, dinheiro é aquilo. Não importava. Para o pato, dinheiro era bom. E quanto mais, melhor.

Se fosse rico o pato andaria de limusine. Helicóptero. Jatinho. Submarino. Mandaria e desmandaria. Investiria na bolsa. Negociaria poços de petróleo. Abraçaria causas humanitárias. Sonegaria impostos. Teria o que quisesse. Na hora que quisesse.

Contrataria um mordomo chamado Garnett. Alfaiate. Barbeiro. Chapeleiro. Dama de companhia. Estagiário. Faxineira. Geriatra. Homeopata. Intérprete. Jardineiro. Lavadeira. Nutricionista. Ourives. Personal Trainer. Quiropata. Relações Públicas. Segurança. Tradutor. Urologista. Vidente. Webdesigner. Xerife. Zelador. De A a Z, tirando o K e o Y.

Mesmo sem ter nada de seu, o pato repetia para quem quisesse ouvir: pagaria o que estivesse ao alcance para ser o Tio Patinhas. Nem que fosse por um dia. Um dia não. Uma semana.

Já pensou passar o dia no shopping? Comprar o que lhe desse na telha? objetos com a letra “c”? Carro. Cafeteira. Creme. Celular. Computador. Cristais. Chocolate. Caviar. Colônia. Chantili. Cigarreira. Frequentar os melhores restaurantes só para comer só pratos começados com “f”? Foundi. Frapê. Fromage. Focaccia. Faisão. Framboesa.

Uma semana não, um mês. Para viajar na primeira classe. Fechar os olhos e apontar o mapa-múndi: Montevidéu. Miami. London. Taiwan. Pirâmides do Egito. Palácio de Versalhes. Caribe. Esqui nos Alpes. Ser recebido pelo papa no Vaticano. Tomar caipirinha no terraço do Copacabana Palace. Assim por diante.

O pato apregoava em alto e bom tom: dinheiro traz felicidade sim. Pato sem noção. De Política. De História. De Economia. De Sociologia.

Continua no próximo post